quinta-feira, 1 de julho de 2010

Obama aprova sanções unilaterais extras ao Irã

Os Estados Unidos da América estão decididos a impedir a continuação das pesquisas médicas com material nuclear no Irã.


Raciocinemos objetivamente:


Disposição estadunidense para alcançar uma solução negociada da controvérsia = 0

Disposição estadunidense para sancionar o país persa: total

Solução da questão para os estadunidenses: sanções ou intervenção militar.

Desculpa para a invasão do Iraque: suspeita infundada de que talvez o país possuisse armas de destruição em massa.

Desculpa para sancionar o Irã: suspeita infundada de que talvez o país pudesse quem sabe desenvolver porventura em alguns meses ou anos uma arma nuclear.

Lucro dos bancos estadunidenses com as guerras provocadas por Washington: bilhões e bilhões de dólares.





O Irã negociou. Assinou o acordo com Brasil e Turquia onde se comprometia com as cáusulas exigidas pelos Estados Unidos e pela ONU como condição para evitar as sanções. O texto das sanções foi escrito no dia seguinte ao acordo.

O Irã afirmou que se fossem aprovadas coerções, não haveria mais diálogo. Sanções foram então aprovas pelo Conselho Quintal dos EUA de Segurança da ONU com o discurso de que assim as negociações com o Irã seriam possíveis.

Ou estão todos loucos ou os verdadeiros interesses não estão sendo revelados.


Deixemos as conclusões para os leitores.



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Focos das sanções são combustíveis e bancos.

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA




O presidente Barack Obama assinou na noite desta quinta-feira "as sanções mais duras contra o Irã já aprovadas pelo Congresso dos EUA". O objetivo é pressionar as importações de combustível ao país persa e penalizar os bancos estrangeiros que fizerem negócio com a República Islâmica.

Os EUA querem pressionar Teerã a suspender seu programa nuclear. Washington suspeita que o programa tenha como objetivo a fabricação de uma bomba atômica, mas o Irã insiste que tem fins meramente pacíficos.

O Senado e a Câmara dos Represantentes aprovaram o projeto de novas sanções na quinta-feira passada (24), penalizando empresas que fornecem gasolina ao Irã, bem como bancos internacionais envolvidos com a Guarda Revolucionária do país persa.


"Em resumo, com essas sanções --junto com as demais-- estamos atingindo o cerne da capacidade do governo iraniano de financiar e desenvolver seus programas nucleares. Estamos mostrando ao governo iraniano que suas ações têm consequências. E se eles persistirem, a pressão vai continuar a crescer, e seu isolamento vai continuar a se intensificar. Não deve haver dúvidas --os EUA e a comunidade internacional estão determinados a evitar que o Irã obtenha armas nucleares", disse Obama.

Apesar da aprovação de medidas mais duras pelo Conselho de Segurança da ONU e da União Europeia nas últimas semanas, os legisladores americanos acham que elas não foram duras o suficiente.

O Conselho de Segurança da ONU renovou em 9 de junho sua condenação à política nuclear iraniana em uma resolução acompanhada por sanções, a quarta desde 2006.

Às medidas da ONU somaram-se nesta semana sanções extras aplicadas pelos EUA, pelo Canadá e pela União Europeia.

No dia 16, o Tesouro dos EUA impôs sanções adicionais ao Irã por seu programa nuclear, pondo na "lista negra" mais empresas e pessoas suspeitas de ligações com o programa nuclear ou de mísseis do Irã.

As medidas proíbem transações de americanos com as entidades listadas, e buscam congelar quaisquer bens que elas tenham sob jurisdição americana. A União Europeia anunciou medidas adicionais semelhantes no dia 17.

Sanções americanas

Empresas americanas já são proibidas de fazer negócios com o Irã ou investir no país persa. Empresas estrangeiras que investem no setor energético iraniano também podem sofrer sanções segundo a lei atual dos EUA, mas nenhuma punição foi aplicada até agora.

A nova legislação penaliza empresas que entregam gasolina ao Irã e instituições bancárias internacionais que estão envolvidas com a Guarda Revolucionaria iraniana, o programa nuclear do país e ajudam supostas atividades terroristas.

Ela privará bancos estrangeiros de acessar o sistema financeiro dos EUA se eles fizeram negócios com os iranianos. Os fornecedores mundiais de gasolina também podem ser banidos do sistema bancário, das transações de propriedade e de câmbio nos Estados Unidos.

"Por causa desta legislação, nós estaremos dando uma escolha às companhias de todo o mundo. Vocês querem fazer negócios com o Irã ou com os EUA? Nós achamos que não é uma escolha difícil, mas nós forçaremos as empresas a fazê-la", disse o senador republicano John McCain.

Alerta do Irã

O Irã alertou os Estados da União Europeia sobre "consequências desastrosas" por sua decisão de impor sanções adicionais a Teerã por seu programa nuclear.

"Sem dúvidas, tal atitude de confronto pode trazer consequências desastrosas para as relações entre a República Islâmica do Irã e a União Europeia", disse Manouchehr Mottaki, chanceler iraniano, em carta aos chanceleres da UE obtida pela Reuters nesta quarta-feira.

A decisão da UE "vai definitivamente causar perdas muito maiores para a própria União Europeia do que para a República Islâmica do Irã como já foi amplamente demonstrado em estatísticas prévias", diz a carta, que foi recebida na terça-feira.

A carta de Mottaki também afirma que o bloco de 27 nações "vai praticamente negar a si mesmo a cooperação potencialmente estratégica de um parceiro poderoso e influente na delicada região do Oriente Médio e do Golfo Pérsico".

"Vamos esperar que a União Europeia não sucumba às pressões dos EUA para marchar no caminho errado, que só vai produzir vergonha perpétua diante das nações do mundo", disse Mottaki.

COM AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sanções para que?

Por Pedro Muniz.

O Conselho de Segurança da ONU aprovou no dia 09/06 uma resolução que impõe mais uma rodada de sanções ao Irã. Contudo, não sabemos o porquê.

Brasil e Turquia votaram contra a resolução e o Líbano se absteve.

Gostaria que alguém me explicasse a lógica por trás dessas novas sanções.

Parece-me que os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas que votaram a favor da resolução possuem algum objetivo não revelado. A mídia, não só no Brasil, vem sendo parcial e tendenciosa, talvez com o intuito de repetir até a aceitação algo que não faz sentido. Venho estudando o assunto há algum tempo e ainda não consegui entender o objetivo das sanções nesse caso específico. Elas na verdade violam o direito internacional, senão vejamos:

. O Irã possui a capacidade de enriquecer urânio a 20%.

. O urânio enriquecido a tal porcentagem SÓ pode ser usado para fins pacíficos, vez que para fins militares este deve chegar a um enriquecimento de 90%.

. O Irã afirma reiteradamente que seu projeto nuclear é pacífico.

A violação do direito internacional se dá pela punição de um país que desenvolve energia nuclear com fins pacíficos, em total discordância com o Tratado de Não Proliferação Nuclear, que garante o uso civil de tal energia, ou pelo desrespeito ao princípio geral do direito da presunção de inocência, ao se supor que o projeto nuclear iraniano possui fins bélicos. Vejam, não existe opção além dessas duas.

As sanções são ainda irracionais, vejamos:

As negociações com o Irã, travadas ao longo dos últimos cinco meses foram lideradas pelos membros permanentes do Conselho de Segurança ( Estados Unidos da América, França, Rússia, Grã-Bretanha e China) mais a Alemanha.
Diziam esses países que o Irã se recusava a negociar, mas, como afirmou o presidente Lula, nenhum desses chefes de Estado chegou a dialogar com o presidente iraniano Ahmadinejad.

A ONU e os Estados Unidos propuseram que 1200 kg de urânio saíssem do Irã para serem enriquecidos na Rússia e na França, voltando ao país islâmico já enriquecido. O Irã recusou e afirmou que o material deveria ser processado dentro do país, o que para a ONU era inaceitável.

Em maio, em viagem do presidente Lula a Teerã, Brasil, Turquia e Irã assinaram o acordo proposto pelos negociadores. 1200 kg de urânio seriam enriquecidos fora do Irã, voltando para ele após o processo. A diferença foi a de que o urânio seria enriquecido na Turquia, não mais na Rússia e na França.

Sem argumentos, a secretário de Estado estadunidense, Hillary Clinton se limitou a dizer que “esse acordo tornava o mundo um lugar menos seguro.” Se alguém entendeu essas palavras, por favor, me explique.

Ora, insistiram nas sanções. Digitaram o texto da resolução sancionadora e então Ahmadinejad declarou que se fossem aprovadas sanções, não haveria mais diálogo. Nada mais óbvio, afinal, as controvérsias no âmbito internacional são resolvidas de forma pacífica (através de negociações, arbitragem, mediação, etc.) ou de forma coercitiva, através de sanções. Bem, esta foi a opção da sociedade internacional, não do Irã.

A excelentíssima senhora secretária de Estado Hillary Clinton ainda afirmou, satisfeita com a aprovação da resolução do dia 09/06 que “talvez assim o Irã negocie de verdade.”

Hein?

domingo, 23 de maio de 2010

Democracia no Irã

Meu grande amigo Rodrigo Pinheiro afirmou em um dos textos anteriores que o Irã não era uma democracia. Argumentou em seu favor o fato de existir um aiatolá supremo, que não sai do poder.
Em contrapartida, podemos alegar que existe um sistema de freios e contrapesos na República Islâmica, exercida entre o aiatolá, o presidente e o conselho de ansiãos.

Nosso caro e sempre interessado professor Ronaldo Lobão nos enviou um texto que trata da democracia no Irã. Estou convencido de que sua leitura tornará o debate mais rico e esclarecedor para ambas as partes.

O texto será trancrito na íntegra, devido à sua grande contribuição ao entendimento do outro (outra cultura).

Obrigado professor Lobão.


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ASPECTOS DO SISTEMA POLÍTICO ISLÂMICO


Por Sayyd Abul A'la Al-Maududi


O sistema político do Islam baseia-se em três princípios: Tawhid, a Unicidadde de
Deus, Risalat, a profecia, e Khilafat, o califado. Para compreender os diferentes
aspectos da política islâmica, é preciso entender, primeiro, estes três princípios.


Tawhid


Unicidade significa que só um Deus é o Criador, Sustentador e Senhor do Universo, e
de tudo o que existe nele. A soberania do reino é conferida a Ele, somente. Só Ele
tem o direito de autorizar ou proibir o que quer que seja. A adoração e a obediência só são devidas a Ele, e ninguém pode ser associado a Ele. Por isso, não depende do ser humano decidir sobre os objetivos de sua existência, ou prescrever os limites de sua
autoridade no mundo. Ninguém tem o direito de tomar decisões por nós. Este direito só
pertence a Deus, que nos criou e nos dotou de faculdades físicas e mentais, e nos
forneceu todo o necessário para garantir nossa sobrevivência na terra.
Este princípio da Unicidade de Deus nega completamente o conceito de Soberania
legal e política dos seres humanos, seja do ponto de vista individual, seja do ponto de
vista coletivo. Ninguém neste mundo pode reivindicar a soberania como uma coisa
completa, seja um ser humano, uma família, uma classe ou grupo de pessoas, ou,
inclusive uma raça humana. Só Deus é Soberana, e Seus Mandamentos são a lei do
Islam.


Risalat


O meio pelo qual recebemos a lei de Deus é conhecido como risalat, profecia. São
duas as suas principais fontes:

1. O Livro, no qual Deus expôs sua Lei; e

2. O exemplo e a interpretação autorizada do Livro de Deus pelo Profeta, através de
sua palavra e feitos, na qualidade de representante de Deus. Os amplos princípios no
qual o sistema de vida humano deve estar baseado, foram estabelecidos no Livro de
Deus. Além disso, o Profeta estabeleceu para nós um modelo do sistema de vida
islâmico, fornecendo os detalhes onde se faziam necessários. A combinação desses
dois elementos, de acordo com a terminologia islâmica, é chamada de shari'ah.


Khilafat


No que se refere ao khilafat, que em árabe significa representação, a posição e lugar
do homem, de acordo com o Islam, é o de representante de Deus na terra, Seu vicegerente,
isto é, em razão dos poderes que foram delegados a ele por Deus, é-lhe
exigido exercitar a autoridade divina neste mundo, dentro dos limites estabelecidos por
Deus.
Para se entender melhor como isto funciona, tomemos agora, como exemplo, o caso
de uma loja que seja administrada por alguém em nome de seu proprietário. São
quatro as condições que invariavelmente devem ser cumpridas: (1) a propriedade da
loja é do titular, e não do administrador encarregado de gerenciá-la; (2) o
administrador toma as decisões de acordo com as instruções do titular; (3) a
administração e a execução serão feitas dentro dos limites estabelecidos pelo tilular;

(4) o administrador, na preservação do que lhe foi confiado, deverá executar a
vontade do titular e cumprir o determinado por ele. Estas quatro condições são
inerentes ao conceito de "representação", que deve vir à mente, tão logo se pronuncie
esta palavra. É isto que o Islam pretende, quando afirma que o homem é o califa de
Deus na terra. Estas quatro condições também estão incluídas no conceito de khilafat.
O estado que seja estabelecido de acordo com esta teoria política, será de fato um
califado humano, sob a Soberania de Deus, e terá que satisfazer os propósitos de
Deus, trabalhando na terra de Deus, dentro dos limites prescritos por Ele, e na
conformidade com Suas instruções e mandamentos.


Democracia no Islam


O termo khilafat torna claro que nenhum indivíduo, ou dinastia, ou classe, pode ser
khalifah (califa), porque a autoridade do califado é dada ao grupo , à comunidade,
como um todo, que está preparada para satisfazer as condições de representação,
depois de aceitar os princípios do tawhid (Unicidade de Deus) e do Risalat (Profecia).
Tal sociedade leva a responsabilidade do califado como algo completo, e cada um de
seus indivíduos divide o Califado Divino. Este é o ponto de onde a democracia
começa no Islam.
Em uma sociedade islâmica, cada pessoa desfruta dos direitos e poderes do califado, e
deste ponto de vista, todos são iguais. Ninguém tem prevalência sobre o outro, nem
pode privar ninguém de seus direitos e poderes.
A intervenção nos assuntos de estado deverá ser feita em consonância com a vontade
dos indivíduos, e a autoridade do estado corresponderá somente a um aumento dos
poderes que os indivíduos delegarem. Sua opinião será decisiva na formação do
governo, que será dirigido com seus conselhos, e de acordo com seus desejos. Aquele
que tem a confiança de todos compromete-se com os deveres e obrigações do califado
em nome de todos, e quando perder esta confiança terá de deixá-lo e aceitar esta
vontade. Neste sentido, o sistema político do Islam é uma forma perfeita de
democracia. O que distingue a democracia islâmica da democracia ocidental é que,
enquanto esta está baseada no conceito de soberania popular, aquela se apoia no
princípio de khilafat popular. Na democracia ocidental, a pessoa é soberana, no Islam a
soberania é conferida a Deus, e a pessoa é o Seu califa, ou representante. Na
democracia ocidental, as pessoas traçam as suas próprias leis (shari'ah), na islâmica,
têm que seguir e obedecer as leis (shari'ah) dadas por Deus, por intermédio de Seu
Profeta. Numa o governo se compromete a realizar a vontade das pessoas, na outra o
governo, e as pessoas que o formam, realizam o propósito de Deus.
Em resumo, a democracia ocidental é uma espécie de autoridade absoluta, que
exercita seus poderes de um modo livre e descontrolado, enquanto que a democracia
islâmica é subserviente à Lei Divina e exercita sua autoridade na conformidade com os
mandamentos de Deus, e dentro dos limites prescritos por Ele.


O Propósito do Estado Islâmico


A seguir, um exemplo do tipo de estado que se constrói sobre os pilares do Tawhid,
Risalat e Khilafat.
O Alcorão claramente afirma que a meta e o objetivo do estado são o estabelecimento,
manutenção e desenvolvimento dessas virtudes, com as quais o Criador do
Universo quer dotar a vida humana, e a prevenção e erradicação desses males, cuja
presença na vida é totalmente contrária à vontade de Deus. É um estado onde
predominam a justiça, a bondade, a virtude, o êxito e a prosperidade, e onde se
impeça qualquer espécie de exploração, injustiça e desordens, que aos olhos de Deus
são prejudiciais à vida de Suas criaturas. Assim, ao situar para o ser humano este
ideal elevado, o Islam nos fornece um esquema claro de seu sistema, mostrando as
virtudes desejáveis e os vícios indesejáveis. Tendo em mente este esquema, o estado
islâmico pode planejar uma felicidade programada para cada época e para cada
circunstância.
O Islam persistentemente nos mostra que os princípios de moralidade têm que ser
observados a todo custo e em todas as etapas da vida. E por isso, ele é um sistema
inalterável para que o estado possa basear sua política na justiça, na verdade e na
honestidade. Em hipóstese alguma o Islam tolera a fraude, a falsidade e a injustiça.
Da mesma forma que as relações do estado com os indivíduos impõem obrigações
mútuas, também no que se refere às relações do estado com os outros estados, a
verdade e a justiça devem ser priorizadas. Assim, os contratos e as obrigações devem
ser cumpridos, a condução dos negócios deve ser pautada por medidas e padrões
uniformes, pelo respeito aos direitos dos outros, pelo uso do poder e da autoridade
para que a justiça e a verdade prevaleçam sempre e deve ter em mente que o poder
do estado é uma delegação de Deus, e que aquele que o exerce será chamado a
prestar contas de suas ações a Deus.


Direitos Fundamentais


Ainda que um estado islâmico possa ser estabelecido em qualquer parte da terra, o
Islam não procura limitar os direitos humanos ou privilégios aos limites geográficos de
seu próprio estado. O Islam estabeleceu alguns direitos fundamentais universais
para a humanidade, como um todo, os quais devem ser observados e respeitados sob
qualquer circunstância,não importa onde a pessoa resida, se dentro de um estado
islâmico ou fora dele, se o estado está em paz ou em guerra. O sangue humano é
sagrado e não pode ser derramado sem uma justificativa. Não é permitido oprimir as
mulheres, crianças, velhos, doentes e feridos. A honra e a castidade das mulheres
devem ser respeitadas a qualquer preço. O faminto deve ser alimentado, o despido
deve ser vestido, o ferido ou o doente devem ser tratados, não importando se são de
uma comunidade islâmica ou não , ou até que sejam inimigos. Estas, e algumas
outras disposições, foram estabelecidas como direitos fundamentais do homem, em
razão de sua condição de ser humano, e devem ser garantidas pela Constituição de
um estado islâmico. Inclusive, os direitos de cidadania no Islam, não estão limitados às
pessoas nascidas dentro dos limites de seu estado e sim são outorgados a cada
muçulmano, sem levar em consideração seu lugar de nascimento.
Portanto, um muçulmano se converte em cidadão de um estado islâmico assim que
puser o pé em seu território, com a intenção de viver nele e por isso, passa a
desfrutar de direitos iguais de cidadania, da mesma forma que aquele que tem esses
direitos, decorrentes do nascimento. A cidadania tem que ser comum entre todos os
países islâmicos que possam existir no mundo e um muçulmano não necessitará de
qualquer passaporte para entrar ou sair dele. Cada muçulmano deve ser considerado
elegível e adequado para o exercício de todas as posições da mais alta
responsabilidade dentro do estado islâmico, sem nenhuma distinção de raça, cor ou
classe.
O Islam também concedeu certos direitos para que os não muçulmanos possam viver
dentro das fronteiras de um estado islâmico e estes direitos têm que integrar,
necessariamente, a Constituição Islâmica. De acordo com a terminologia islâmica,
tais não muçulmanos são chamados de "dhimis" (cidadão não muçulmano) e devem
ser respeitados e protegidos exatamente como um cidadão muçulmano, no tocante à
lei civil ou penal, não fazendo diferença em relação ao cidadão muçulmano. O Estado
Islâmico não interferirá com a lei perssoal dos não muçulmanos. Terão liberdade
completa de consciência e serão livres para exercitar seus ritos religiosos e
cerimônias, da forma que queiram. Não só têm direito de propagar sua religião como
também têm o direito inclusive de criticar o Islam dentro dos limites estabelecidos pela
lei e pela decência.
Estes direitos têm uma natureza irrevogável. Os não muçulmanos não podem ser
privados deles, a menos que renunciem ao convênio que lhes garante a cidadania.
Qualquer que seja o alcance da opressão que um estado não muçulmano possa
perpetrar contra os cidadãos muçulmanos, não é permitido a um estado islâmico
cometer a menor injustiça contra seus cidadãos não muçulmanos. Mesmo que todos os
muçulmanos fora dos limites do território islâmico sofram qualquer tipo de injustiça, o
estado islâmico não pode derramar injustamente o sangue de um único cidadão não
muçulmano que viva dentro de seus limites territoriais.


Executivo e Legislativo


A responsabilidade pela administração do governo, em um estado islâmico, é confiada
a um líder, ou chefe, ou guia (emir), que pode assemelhar-se ao presidente ou ao
primeiro-ministro de um estado moderno democrático. Todos os homens e mulheres,
adultos que acreditam nos fundamentos da constituição, têm direito de eleger o chefe
de estado.
Os requisitos básicos para a eleição de um emir são: gozar da confiança de um grande
número de pessoas com relação ao seu conhecimento e sua compreensão do espírito
do Islam; possuir o atributo islâmico da temência a Deus e ser dotado com as
qualidades de homem de estado.
Em resumo, deve ser virtuoso e capaz. Os membros da shura, conselho consultivo,
também são eleitos pelas pessoas para assistir ao emir e guiá-lo na administração do
estado. Caberá ao emir administrar o país com o conselho desta shura. O emir só
pode permancer no cargo enquanto desfrutar da confiança das pessoas e terá que
deixar seu posto quando perder essa confiança. Porém, enquanto conservar essa
confiança terá autoridade para governar e exercitar os poderes de governo,
consultando a shura e dentro dos limites estabelecidos pela shari'ah. Cada cidadão terá
o direito inalienável de criticar o emir e seu governo e, para isso, poderá utilizar-se
de todos os meios razoáveis para a difusão à opinião pública.
A legislação em um estado islâmico estará restrita aos limites impostos pela shari'ah.
Os mandamentos de Deus e de Seu profeta têm que ser aceitos, e nenhum
corpo legislativo pode alterar ou modificar seus postulados, ou elaborar leis
incompatíveis com eles.
Em relação aos mandamentos que sejam passíveis de duas ou mais interpretações,
impõe-se averiguar o propósito verdadeiro da shari'ah. Em tais casos, deve-se
recorrer a pessoas que comprovadamente tenham um conhecimento especializado da
shari'ah. Por isso, tais questões devem ser submetidas a um subcomitê do Conselho
Consultivo, composto por homens conhecedores da Lei Islâmica.
Um grande campo ainda estará disponível para a legislação, sobre questões não
abrangidas por um mandamento específico da shari'ah. Nesse caso, o conselho
consultivo, ou corpo legislativo, estará livre para legislar em relação a esses assuntos.
No Islam, o Judiciário não está situado na esfera de controle do executivo. Sua
autoridade deriva diretamente da shari'ah, e é responsável perante Deus.
Os juízes são, sem dúvida, designados pelo governo, mas, uma vez que o juiz que o
juiz ocupe seu lugar no tribunal, terá que administrar a justiça entre as pessoas de
acordo com a lei de Deus, de modo imparcial, e os órgãos e funcionários do governo
estarão fora de sua jurisdição legal, até ao ponto em que a mais alta autoridade
executiva do governo possa ser chamada a comparecer em uma corte legal, seja como
reclamante ou reclamado, da mesma forma que qualquer outro cidadão.
Governantes e governados estão submetidos à mesma lei e não pode haver
discriminação com base em posição, poder ou privilégio. O Islam luta pela igualdade e
escrupulosamente se une a este princípio nos domínios social, econômico e político por igual.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Assinado acordo entre Irã, Brasil e Turquia sobre a questão nuclear.

Os principais jornais do mundo estão noticiando o importante acordo sobre a questão nuclear do Irã. O Itamaraty o considera uma "vitória da diplomacia". Alguns membros da sociedade internacional, contudo, mantêm-se reticentes.

De fato a diplomacia brasileira se mostrou extremamente prestigiosa internacionalmente ao mediar o acordo, com base no proposto pela ONU. A diplomacia se mostrou muito mais esficiente do que as três rodadas de sanção já impostas.

O documento representou, portanto, um importante passo na resoução da tensão em torno do programa nuclear iraniano. Não é, contudo, a solução ela mesma. Muitas questões merecem ainda ser apreciadas, tais como a abertura do país às fiscalizações internacionais e a continuidade do programa de enriquecimento de urânio dentro da República islâmica. É irrefutável, porém, que o acordo firmado em Teerã representa importante conquista do diálogo e da diplomacia, forças que devem reger as relações internacionais.

Devemos saudar, portanto, o papel do Itamaraty na abordagem do tema em questão, possibilitando o importante avanço na solução pacífica da controvésia, e evidenciando a emergência do Brasil como importante ator da sociedade internacional.

Pedro Muniz.
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BBC Brasil

O Irã concordou em enviar urânio para ser enriquecido no exterior, como parte de um acordo negociado em Teerã entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan.

O porta-voz do Ministério do Exterior do país, Ramin Mehmanparast, disse que o país vai enviar 1.200 kg de urânio de baixo enriquecimento (3,5%) para a Turquia em troca de combustível para um reator nuclear a ser usado em pesquisas médicas em Teerã.

O entendimento anunciado nesta segunda-feira e assinado em frente a jornalistas em Teerã tem como base a proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU), do final do ano passado, que previa o enriquecimento do urânio iraniano em outro país em níveis que possibilitariam sua utilização para uso civil, não militar.
Leia mais sobre o acordo:


Analistas acreditam que a adoção de uma proposta que segue as linhas do que foi negociado na ONU poderia esfriar os ânimos dentro do Conselho de Segurança da organização e evitar uma nova rodada de sanções, como defendem os Estados Unidos.

Entretanto, o correspondente da BBC em Istambul, Jonathan Head, disse que mesmo entre as autoridades do Ministério do Exterior turco existe um ceticismo pela possibilidade de que o Irã esteja acenando com boa vontade, mas pouco disposto a cooperar na questão nuclear.

Poucos minutos após o anúncio do acordo, Israel criticou o Irã, afirmando que Teerã está "manipulando" o Brasil e a Turquia.

Os dois países são membros não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU e querem evitar as sanções.

Alguns integrantes do Conselho - principalmente os Estados Unidos - desconfiam das intenções do programa nuclear iraniano.

O Irã afirma que ele tem fins pacíficos, e que o país não pretende desenvolver armas nucleares.

Suspense Os termos do acordo serão submetidos à AIEA, anunciou o Irã. Se for aceito, os 1.200 quilos de urânio iraniano com baixo enriquecimento ficará guardado na Turquia sob vigilância turca e iraniana.

Em troca, após um ano, o Irã tem direito de receber 120 quilos de material enriquecido a 20% procedente da Rússia e da França.

A expectativa era de que um novo entendimento com os iranianos fosse anunciado ainda no domingo, mas o assunto não foi comentado nem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tampouco pelo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, durante o encontro bilateral.

Inicialmente, o premiê Erdogan era esperado para um encontro trilateral com os líderes brasileiros e iraniano, mas acabou desistindo da viagem sob o argumento de que a o Irã não estaria "comprometido" com o acordo proposto.

No fim, Erdogan acabou viajando a Teerã, onde chegou nas primeiras horas da segunda-feira.

O suspense indica que a diplomacia para chegar a um acordo foi "complexa", segundo as palavras do próprio ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista ao jornal "Washington Post".

Na sexta-feira, em encontro com Lula em Moscou - primeira parada desta viagem de Lula ao exterior -, o presidente russo, Dmitri Medvedev, disse que a proposta do Brasil e da Turquia seria a última chance do Irã de evitar as sanções da ONU.

Gestos de boa vontade No domingo, Lula se encontrou com o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, e com o presidente do país, Mahmoud Ahmadinejad.

A agência oficial iraniana IRNA noticiou que Khamenei elogiou o Brasil. Segundo a agência de notícias AFP, Ahmadinejad também fez elogios ao Brasil. Lula e Ahmadinejad discursaram em um evento para empresários dos dois países, mas nenhum dos dois mencionou a questão nuclear.

Ainda no domingo, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, divulgou uma nota em que agradece aos governos de Brasil, Síria e Senegal por seus esforços em prol da libertação da professora francesa Clotilde Reiss, que estava presa em Teerã desde o ano passado.

Reiss havia sido condenada em julho do ano passado por dez anos de prisão por espionagem e por ter enviado fotografias por e-mail mostrando protestos contra o governo iraniano.

O anúncio da libertação foi feito neste sábado, dia da chegada do presidente Lula a Teerã.

Segundo fontes da diplomacia brasileira, o presidente Ahmadinejad teria dito a Lula que a libertação da professora francesa foi um "presente" do governo iraniano ao presidente brasileiro.

Nesta segunda-feira, o presidente brasileiro participa de uma reunião do G15, um grupo de cooperação entre países em desenvolvimento não-alinhados. Além de Brasil e Irã, participam do G15 Argélia, Argentina, Chile, Egito, Índia, Indonésia, Jamaica, Malásia, México, Nigéria, Quênia, Senegal, Sri Lanka, Venezuela e Zimbábue.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Irã - Quatréplica

Aos leitores, a postagem abaixo deve ser lida anteriormente.

Resposta à carta do prezado colega.


Em Hildebrando Aciolly, Manual de Direito Internacional Público, é esclarecida a diferença entre a categoria de solução pacífica de controvérsias, divididas em soluções diplomáticas e judiciárias, e a de solução coercitiva, compreendendo qualquer tipo de sanção. Sempre que há uma coerção, seja ela manifesta por embargo, retaliação ou mesmo guerra, a solução do conflito se dá pela segunda categoria. O que caracteriza a solução pacífica não é, portanto, a ausência de mortes e feridos, mas a existência de sanções. Quanto a essa classificação não resta margem para refutações.
Salienta-se aqui que o Itamaraty não é contra o elemento sanção em si, o que se faz evidente no caso com os EUA, já exemplificado, mas entende, acertadamente, que no caso do Irã não é momento para tal.
Se a pretensão do governo iraniano de possuir armas nucleares fosse provada ou óbvia, a discussão presente não teria razão de ser.

Reitero, portanto, minha posição de defesa à política externa brasileira no sentido de que a sociedade internacional não possui autoridade para sancionar um Estado pela mera suspeita.
Não devemos apelar para uma forma COERCITIVA de solução de controvérsias enquanto os meios pacíficos não se exaurirem. A simples negativa do Irã em aceitar inspeções estrangeiras, nada significa. Lembremos que Sadam Hussein também não permitiu essas inspeções, o que gerou suspeitas de que o país possuisse armas nucleares, e uma intervenção lamentável e desastrosa. As armas, no entanto, não existiam, como todos sabemos. Devemos ser muito cuidadosos com as bélicas pretensões de sanção ao Irã, por parte de alguns inseguros membros da sociedade internacional.

Há de se fortalecer a diplomacia e o diálogo em quaisquer conflitos internacionais, apelando-se para coerções apenas em circunstãncias últimas.

Esse deve ser o posicionamento da sociedade e dos atores internacionais, a prevalência e insistência exaustiva nas soluções pacíficas de controvérsias, conforme positivado em inúmeros tratados internacionais e solidificado como princípio geral do direito, duas fontes do direito das relações internacionais. Que sejam, pois, respeitads as fontes e a coerência.


Pedro Muniz.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Lula e seu amigo Mahmoud Ahmadinejad e Carta ao Pedro Muniz

Por Rodrigo Pinheiro


Esta publicação divide-se em duas partes: a primeira delas é uma opinião minha a respeito da política externa brasileira em relação ao Irã e chama-se Lula e seu amigo Mahmoud Ahmadinejad, enquanto a segunda é uma carta destinada a rebater o artigo publicado pelo Pedro Muniz A política brasileira em relação ao Irã. Nesse sentido, aconselharia ler o trabalho do Pedro antes de ler a segunda parte desta publicação.

Lula e seu amigo Mahmoud Ahmadinejad,


A política externa brasileira em relação ao Irã é alvo de críticas. Críticas que vem de uma relação que se intensifica entre o Brasil e o Irã, quando tudo indica que deste país deveríamos nos afastar. As políticas interna e externa dos dois países são divergentes e o grau de credibilidade são avessos um ao outro, de modo que entrelaçar interesses econômicos, dar um apoio incondicional ao Irã em um momento tão delicado como o atual, em que é acusado de estar produzindo armas nucleares, pode colocar a própria credibilidade do Brasil e do seu projeto nuclear no cenário internacional em risco.

Vejamos se essas críticas são pertinentes. Já vão mais de cinco anos que Alemanha, que lidera as negociações, Estados Unidos, França, Inglaterra, China, Rússia e a Agência Internacional de Energia Atõmica tentam dialogar com o Irã para que ele permita que os inspetores internacionais verifiquem a idoneidade da sua produção nuclear, sem nenhum tipo de sucesso. No início das negociações, o Irã possuía cerca de 70 centrífugas de beneficiamento de urânio (o Brasil deve ter umas dezenas, talvez centenas), hoje possui 3.772. Devemos lembrar que para que essa energia nuclear seja para fins pacíficos, são necessários reatores de energia nuclear que transformam essa energia em energia utilizável. Indaga-se: se é para fins pacíficos, quantos reatores o Irã possui? Nenhum. O Brasil, com muito menos centrífugas, possui uns vinte reatores.

Fortalecendo esse ponto de vista, o último relatório da Agência Internacional de Energia Atômica diz claramente que a ONU garante ter ''vastas e confiáveis informações'' e que "elas causam preocupação sobre a existência, no passado e no presente, de atividades nucleares sigilosas com objetivo de desenvolver uma carga nuclear para mísseis", conclui o estudo. Estudo esse mais pessimista do que aqueles do próprio serviço militar americano, que informou, em 2007, que o programa iraniano tinha parado em 2003. O relatório afirma ainda que a quantidade de urânio no Irã saltou de 300 quilos para 2,06 toneladas de urânio, o que daria pra fazer duas bombas nucleares. Como se não bastasse, declarações de Mahmoud Ahmadinejad ensejam as mais sinistras interpretações. Disse que, caso Israel ataque seu país, acabará com o problema de uma vez por todas. Enfim.

Não são suspeitas quaisquer. Essa é a questão. Dizer que o Brasil tem o direito de não permitir que os inspetores vejam as suas centrífugas e que, por isso, o Irã também tem, é comparar alhos com bugalhos, nas palavras de Marcos Azambuja, vice-presidente do Cebri e embaixador brasileiro. O Brasil tem uma constituição que expressamente veda armas nucleares, é signatário do tratado de Tlatelolco, que institui a zona desnuclearizada da América Latina, do tratado de não proliferação de armas nucleares, possui bons dialogos com a Argentina e com a própria AIEA, além de ser o único país no mundo que recebe inspeções tanto da AIEA, quanto das decorrentes do acordo com a Argentina. Nosso país é um dos únicos países do mundo que vive sem ameaças externas e que também não ameaça ninguém. O avesso é o Irã. O governo não tem legitimidade dentro do próprio país, é uma ditadura fundamentalista que tenta exportar ao mundo a sua revolução, nega o Estado de Israel, fato que nem mesmo os grupos terroristas mais radicais fazem, é manisfestamente anti-semita, além de ficar em uma área instável políticamente, que é o Oriente Médio.

O Brasil permite a entrada dos inspetores da ONU para que eles vejam quantas centrígugas nós temos e para que façam os relatórios livremente. Até unidades militares e faculdades eles podem investigar. O que nós fazemos é cobrir as centrífugas para que não se revele o segredo industrial das tecnologias utilizadas no Brasil para o beneficiamento. No Irã, não é bem assim.

O Irã é signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares. Tratado esse parte eficaz, parte ineficaz. Parte eficaz porque permitiu que nós tenhamos apenas uns dez países com essas armas, não muito mais como provavelmente aconteceria. Ineficaz, porque o art 6º prevê que os líderes internacionais devem adotar medidas de redução dos armamentos nucleares, mas passaram-se décadas sem que alguém tenha se mobilizado. Entretanto, o tratado ainda faz parte do material que pode ser usado como argumento para impedir que armas nucleares se proliferem. O que o Irã faz quando não deixa os fiscais da ONU checarem minimamente as suas instalações é descumprir frontalmente o tratado de não-proliferação de armas nucleares. O que surpreende é que o Brasil, também signatário do tratado, empresta parte de sua credibilidade para um país que descumpre o próprio tratado pelo qual ele deveria zelar. Seria excessivamente ingênuo acreditar que um país com enormes reservas de energia, sem nenhuma tradição na área nuclear, com claras intenções de criar uma instabilidade na região, demonstrada pelas afirmações de Mahmoud Ahmadinejad, que, agora, está beneficiando urânio com muita intensidade, queira esse beneficiamento para fins pacíficos.

Não é que o Brasil simplesmente seja contra as sanções com o objetivo de forçar o Irã a negociar. O Brasil faz uma burrada planetária quando expressamente apoia o Irã, tanto que o vice-presidente afirmou com todas as letras que o Irã tem direito a ter armas nucleares, uma vez que essas armas são para fins pacíficos, lembrou o fato o cientista político da USP José Guilhon . O que o vice-presidente esquece é que o Irã não tem direito às armas e que armas nucleares para fins pacíficos é um paradoxo incurável. Basta perguntar aos habitantes de Hiroshima e Nagasaki.

Nossa diplomacia está sendo leniente, ingênua, tratando um fato que é seríssimo como se fosse um fato ordinário. Os riscos são óbvios e o único meio para que o Irã venha negociar é com sanções. Isso na melhor das hipóteses. Azambuja considera insuficiente as sanções e que elas não vão parar o programa nuclear iraniano, que, a despeito de produzir energia, muito provavelmente constroe o seu arsenal nuclear. Para ele, a China tem que começar a limitar as exportações ao Irã para que ele sinta realmente as dores das sanções.

José Goldenberg, físico da USP e Ex-Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia lembrou que o Brasil já foi sancionado pela Comunidade Internacional quando havia indícios de produção de armas nucleares aqui. Ficamos impossibilitados de importar supercomputadores para a previsão do tempo e para a extração do petróleo, o que nos levou a negociar. Reforçando a tese de que as sanções podem fazer com que o Irã comece a negociar com a Comunidade Internacional.

Podem afirmar: mas não existe comunidade internacional, o que existe é interesse norte-americano em gerar dúvidas quanto ao programa nuclear iraniano. Ora, se Alemanha, Inglaterra, França, Rússia e China, porque até a China suspeita da idoneidade do projeto iraniano, mais a Agência Internacional de Energia Atõmica, que é o braço da ONU em matéria nuclear, não representam a comunidade internacional, certamente não será o Brasil isoladamente que representará. Há também aqueles que alegam que o Irã é o novo Iraque, com o claro intuito de tentar fazer uma comparação com o ocorrido neste país quando, a pretexto de possuir armas nucleares, foi invadido. Roberto Abdenur, membro do Cebri e ex-embaixador do Brasil na China, Alemanha e em Washington, diz que essa comparação não é válida, uma vez que desde de 1991 já se sabia que o Iraque não possuia armas nucleares, enquanto em relação ao Irã, houve uma mudança de entendimento não dos Estados Unidos, mas da AIEA quanto à idoneidade da produção nuclear iraniana: antes afirmava-se que não era possível constatar irregularidades no programa nuclear iraniano até que, no último relatório técnico do órgão respeitabilíssimo da ONU, levantou sérias críticas ao programa.

O historiador Peter Demant, historiador e professor de relações internacionais, considera que dialogar com Mahmoud Ahmadinejad é dar mais legitimidade a um ditador que oprime a democracia e que possui claras intenções expansionistas. Acompanhado por Roberto Abdenur, considera que o argumento de que as sanções poderiam incomodar a população seria válido em tese, mas que se verificarmos a natureza das sanções, notaremos que elas não vão alterar as vidas das pessoas, porque as sanções seriam dirigidas a Guarda Revolucionária, que é uma espécie de complexo industrial-militar-econômico com muito controle no país.

Abdenur considera válido a postura do Brasil, que assume por dois anos cadeira no Conselho de Segurança da ONU, de privilegiar os princípios da diplomacia e de não aplicar as sanções. Entretanto, daí concluir de que nunca as sanções seriam válidas e de que elas não poderiam funcionar no caso seria desconhecer o fato de que as sanções podem funcionar.

O Brasil no caso perde muito. Ao emprestar seu prestígio para um país que levanta tantas desconfianças no cenário internacional, coloca o seu próprio projeto sobre questão. Tanto é assim que saiu recentemente um comentário na Science, respeitável revista de ciência no mundo, colocando nosso projeto em dúvida. É certo que o comentário foi feito por um leitor e não por uma pesquisa feita e aprovada pela revista, mas também é certo que foi publicado e que eles sabiam da publicação. O Washigton Post já fez referências semelhantes ao nosso projeto e a preocupação de Goldenberg é que isso levante dúvidas na Argentina sobre a fidelidade do Brasil com questões militares, uma vez que sempre está apoiando ditaduras militares pelo mundo afora. Em Cuba, nosso presidente parecia entar em casa, mais em casa do que no Brasil, estava sem terno, longe da imprensa e comparando os presos políticos de Cuba ao presos de São Paulo, esquecendo a diferença entre presos políticos e bandidos, mas isso é outro assunto que também não pegou bem para o Brasil.

A grande consequência é essa cegueira levantar dúvidas sobre nós mesmos. Poderíamos nos limitar a ponderar as sanções, mas não. O nosso presidente visita um governo fraudulento, leva camisa do Brasil, monta uma cooperativa de 81 empresas, lideradas pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industria que visa aumentar a cooperação indutrial entre Brasil, Irã, Egito e Líbano. Entre essas empresas estavam aquelas do ramo de tecnologia da informação, energia, construção civil, máquinas e equipamentos, alimentos e outros. Não que essas cooperações não sejam válidas, mas o momento não é oportuno para fazê-las e pode prejudicar seriamente algumas empresas que são cotadas nas bolsas exteriores.

Não tem um porquê esse apoio cego dado pelo Brasil. Deveríamos ser menos ingênuos e analisar mais objetivamente os fatos que estão em jogo. O Irã é um país expansionista, que está sob fortes suspeitas de produção de armas atômicas. A Comunidade Internacional já vem há tempos tentando negociar para que o Irã prove que o seu projeto é pacífico, mas nunca fez nem questão de provar. Enquanto isso, o Irã saltou de 70 para 3.772 centrífugas de beneficiamento de Urânio e a situação se agrava. Até quando o Brasil vai ser tão pacífico com questões tão sérias, quando toda a diplomacia já foi tentada? Dizer para o mundo que o Irã tem direito a armas atômicas não é engraçado, é muito sério. Bombas atômicas devem ser tratadas com muito rigor para que não se proliferem. Lula, para piorar a situação, desacredita dos EUA quanto ao fato deles estarem se desnuclearizando, disse:'' eu também tenho uns remédios velhos lá em casa, de vez em quando eu jogo fora''. Comentário descabido e que mostra como o Lula é favorável a perigos iminentes e como ironiza posturas que, mesmo que não resolvam a questão, indicam uma nova realidade e um novo modo de lidar com as armas.



Carta ao Pedro Muniz


Pedro,

Dizer que o Irã é uma democracia, porque formalmente ela é, é o mesmo que dizer que a ditadura varguista e militar no Brasil também era democracia, porque as duas previam formalmente revezamento no poder e legitimidade da oposição.

A ditadura iraniana é a segunda mais opressora do mundo e desconhecer esse fato é perigoso, quando, por causa desse desconhecimento, passa-se a aceitar as usurpações feitas por aquele poder. Quem mais manda naquele país é o chefe religioso Ali Khamenei, que, além de não sair do poder, sufoca a liberdade de expressão, pressuposto nímero um de uma democracia saudável. Dizer que eles possuem uma democracia, porque escolheram o chefe do poder civil livremente constitui um erro incontornável, porque como você mesmo disse, tem um ‘’líder religioso e político do país, que está acima do presidente’’, que, repito, não muda. Democracia?

Não posso concordar também com o fato de comparar sanções com medidas não pacíficas. Não é verdade. Sanções é um elemento coercitivo, que pode ser usado como um degrau acima do diálogo e abaixo de medidas não pacíficas. É verdade que elas são mais severas do que o simples diálogo, que, há cinco anos vem sido tentado sem nenhum tipo de sucesso. O Irã não conversa. Dizer que o Irã vai negociar com o Brasil, porque nós não apoiamos as sanções é demais. As conversas já foram tentadas sem nenhum tipo de retorno.

Quando se afirma que o Brasil tem legitimidade moral para tratar do assunto não resolve nem um pontinho da questão. As questões militares iranianas têm uma base de fundamentalismo religioso arraigada de preconceitos e fechadas ao diálogo. Acham mesmo que o líder Ali Khamenei vai negociar com o Brasil porque nós somos pacíficos? Repito: nós já tentamos os diálogos sem nenhum tipo de retorno. Estamos tentando partir para uma outra postura internacional, ainda pacífica, frise-se, em relação ao Irã para que ele queira negociar. Sugerir que as sanções não são pacíficas e que não são diplomáticas, a meu ver, está redondamente errada. Quando se diz que a guerra só pode ser tentada quando já faliram todos os tipos de soluções pacíficas, implicitamente diz que o único modo não pacífico é a guerra e que todos os demais são. Entretanto, uns são mais severos que os outros, devendo aumentar o grau de rigor na diplomacia quando os níveis mais brandos simplesmente não surtem efeito nenhum. Como é o caso.

Tanto é assim que a OMC já permitiu o Brasil a sancionar o EUA sem se cogitar de que isso era não pacífico. Não houve em nenhum momento a perturbação da paz em virtude nessas sanções. A maioria da população brasileira nem sabe que elas existem. E afirmar que o Brasil é adepto de sanções porque já as aplicou contra o EUA é comparar nada com coisa nenhuma. Os produtores brasileiros ficaram seriamente debilitados com as políticas protecionistas americanas o que poderia gerir graves problemas econômicos para o setor aqui no Brasil de forma imediata.

Entretanto, nada é mais ingênuo do que a afirmação de que não existe conclusões óbvias para se chegar a conclusão de que o Irã está produzindo armas nucleares. A própria AIEA já confirmou a grande possibilidade disso.

Contarei uma piada que, analogamente, aplica-se ao caso: Um marido desconfiado de que sua esposa o estivesse traindo, resolveu segui-la. Seguiu a moça de carro e viu que um rapaz entrara no carro dela. Eles seguiram para o Motel, enquanto o marido ficava sempre atrás. Entrou no Motel também. A esposa do homem entrou no quarto do motel com o suposto amante e fechou a porta. O marido olhava pelo buraco da fechadura para saber se a mulher iria traí-lo, quando se apagou a luz, ele lamenta: que dúvida cruel!

Essa é a mesma situação daqueles que acham que o Irã não estão produzindo armas nucleares e que não há conclusões óbvias nesse sentido. Os números e os dados do relatório da AIEA sobre o assunto eu já expus no outro artigo escrito, mas que, analisando-os, só podemos chegar a uma conclusão, que, diga-se de passagem, é óbvia.

terça-feira, 27 de abril de 2010

A política brasileira com relação ao Irã

Pedro Muniz Pinto Sloboda

A política externa brasileira vem sofrendo críticas severas por não apoiar as sanções que parte da sociedade internacional pretende impor ao Irã, devido às suspeitas de que este país tenha a pretensão de desenvolver arsenal atômico. Li recentemente na mídia duas afirmações mal formuladas que passo a criticar:
1) “Não podemos apoiar o Irã porque o país é governado por uma ditadura militar teocrática.”
Parece-me, salvo terrível engano, que a única afirmação correta nessa sentença é a de que o Irã é um país teocrático, ou seja, não é laico. Não vejo porque tal fato representaria um problema em si. Daí a dizer que o país é governado por uma ditadura militar, ora, que apelação infeliz! O presidente é um civil que foi eleito pelo povo, e se podemos questionar a democracia no país, podemos fazê-lo apenas materialmente, pois formalmente, o país é democrático. Se podemos questionar as últimas eleições, alegando que foram fraudulentas, não podemos questionar o reconhecimento das mesmas como legítimas pelo aiatolá supremo, Ali Khamenei , líder religioso e político do país, que está acima do presidente. Fazê-lo representaria ingerência nos assuntos internos do país, o que feriria princípio fundamental da sociedade internacional.
Além disso, é absurdo afirmar que apoiamos o Irã simplesmente porque não apoiamos as sanções que alguns países desejam impor. O Itamaraty já afirmou reiteradas vezes que o Brasil não é pró-Irã, apenas defende uma solução negociada dos problemas globais. Defendemos o diálogo, a negociação, a diplomacia. Possuímos boas relações com o país? Sim, bem como temos um presidente que coloca flores no museu do holocausto, em Israel, e uma casa diplomática que mantém relações com quase todos os países do mundo, inclusive aqueles que possuem conflitos entre si. Mantemos boas relações com a Índia e com o Paquistão, com as Coréias do Norte e do Sul, com palestinos e israelenses. Nossas relações com o Irã mostram nada além da força de nossa diplomacia. Será que algum cientista político, em consciência sã, afirmaria que é mais provável que o país negocie com aqueles que o querem sancionar, do que com aqueles com quem mantém boas relações?

2) O Brasil é moralmente um pigmeu para tratar de temas como o do Irã.
Tal afirmação deve ter sido publicada na seção de piadas. O Brasil possui um dos programas nucleares para fins pacíficos mais respeitados do mundo, não possui armas nucleares, não possui inimigos no âmbito internacional, possui uma história de pacificidade externa que poucos países do mundo possuem. Se o Brasil, como membro do conselho de segurança em 2010 e 2011, não possui autoridade moral para tratar do tema, quem possui então, os bélicos estadunidenses que por duas vezes já usaram a bomba nuclear contra população civil?

Sanções

Por definição, as sanções, de qualquer tipo (embargo, retaliação, boicotagem, retorsão) fogem da categoria das soluções pacíficas das controvérsias, caracterizando já uma solução coercitiva das mesmas. É sedimentado o entendimento perante sociedade internacional, de que antes de se partir para a categoria de solução coercitiva de controvérsias, todos os meios de solução pacífica devem ser esgotados.
Por favor senhores, não pensem que somos radicalmente contra as sanções, apenas entendemos que não é ainda o momento adequado para sancionar o Irã, investimos na diplomacia e no diálogo, mesmo porque não existem mais que suspeitas de que o país intente possuir a bomba.
As sanções são válidas na solução de conflitos internacionais, e engana-se gravemente quem pensa que o Brasil as refuta por completo. Citemos um exemplo recente. A OMC autorizou no ano passado o Brasil a sancionar os Estados Unidos em mais de 800 milhões de dólares, por entender que os subsídios agrícolas dados pelo governo estadunidense ao algodão, se caracterizava como concorrência desleal. Falhando o diálogo, o Brasil então ameaçou aumentar os impostos de produtos provenientes daquele país e quebrar patentes intelectuais, o que prejudicaria a nação norte-americana em mais de 500 milhões de dólares. Assim, os Estados Unidos voltaram à mesa de negociações e um acordo foi alcançado. O direito das relações internacionais deve possuir meios sancionadores para que de fato seja considerado direito. As sanções possuem importância nas relações internacionais, no caso do Irã, contudo, elas não se fazem necessárias ou eficazes no presente momentos. Caso seja confirmada a existência de um programa nuclear com fins bélicos no país ou reste óbvia essa conclusão, as sanções terão de fato que ser cogitadas, o que não podemos é prejudicar uma nação pela simples desconfiança. O Irã possui armas nucleares que justifiquem as sanções? Não. O Irã possui um programa de desenvolvimento de armas nucleares que justifique as sanções? Segundo a própria Agência Internacional de Energia Atômica, não.

O programa nuclear iraniano


O Irã já declarou reiteradas vezes que seu programa nuclear tem fins pacíficos. Não é preciso afirmar que todos os países possuem direito a fazer uso dessa energia. O próprio Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em seu artigo IV proclama o “direito inalienável de todas as partes do tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação.” A energia nuclear é uma energia limpa se tratada da forma correta, não emite gases causadores de efeito estufa e deve ser utilizada por países menos privilegiados em recursos naturais.
Os países que defendem as sanções ao Irã alegam a existência de suspeitas de que o Irã pretenda desenvolver bombas atômicas. Contudo, o governo iraniano intenta enriquecer urânio a 20%, sendo que para a construção de bombas este deve ser enriquecido a 90%. Não podem restar dúvidas quanto ao fato de que o ônus da prova deve caber aos Estados que pretendem sancionar, estes que devem provar que o Irã quer ter a bomba, e não exigir deste, provas de que não pretende, como vem sendo feito.
Contra as suspeita supracitadas, foi realizada em Teerã, um congresso pelo desarmamento nuclear, onde o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, afirmou que o uso de armas atômicas "é proibido pelo Islã" e acusou os Estados Unidos de serem os "únicos criminosos nucleares do mundo". O presidente Mahmud Ahmadinejad defendeu que os países donos de arsenais nucleares sejam suspensos da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU.

Conclusão

A revista estadunidense “news week” publicou ano passado reportagem de capa em que expunha a lógica insensata de que “deveríamos amar a bomba nuclear porque ela fará do mundo um lugar mais pacifico”. A ideia, repito, insensata, é de que os países nuclearmente armados estariam seguros porque nenhum outro ousaria atacá-los. Lendo isso, sentimos saudades do bom povo da Virgínia e lamentamos a doença moral que vitimou a sociedade estadunidense.
Não podemos permitir a proliferação de armas nucleares. Em verdade devemos evitar uma eventual nova corrida armamentista, desta vez em escala multipolar. Precisamos convencer as nações e os líderes políticos de que um mundo pacífico se faz sem armas. Nesse sentido é louvável a iniciativa do governo Obama, no que tange à sua nova política nuclear. O desmantelamento (percebam, não eliminação) de parte das velhas ogivas nucleares postas em mísseis pela Rússia e pelos Estados Unidos, apesar de ter sido em grande parte uma medida para prover os dois países de maior poder de barganha na revisão do TNP em maio, é um passo, ainda que pequeno, no caminho de um mundo mais seguro e livre de armas nucleares. É preciso, ao mesmo tempo em que provemos o mundo de energia nuclear para fins pacíficos, zelar para que nenhum outro país do mundo desenvolva tal energia com intenções bélicas. Tão imperativo quanto isso é a eliminação dos arsenais atômicos dos países que já o possuem. Contudo, uma enorme preocupação deve surgir na mente dos homens quando a diplomacia falha e as medidas coercitivas começam a ser cogitadas. É por isso que devemos sempre prezar o diálogo e insistir incansavelmente nas soluções pacíficas das controvérsias. O momento não é apropriado para aumentar as sanções contra o Irã. Eventuais coerções podem levar o país a curvar-se perante a sociedade internacional (o que na nossa concepção é pouco provável), ou levá-lo a atitudes menos regradas diante de posições hostis a ele, de sorte que as sanções devem ser evitadas enquanto não houver mais que suspeitas. Não há motivo para essa reação afoita e desesperada por parte de países que se mostram claramente temerosos quanto ao possível, mas não provado programa atômico bélico iraniano, países estes, que principal e ironicamente são aqueles que dizem se sentir seguros por possuírem arsenal nuclear.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

DIREITO DA INTEGRAÇÃO E DIREITO COMUNITÁRIO, MODELOS EUROPEUS E AMERICANOS DE INTEGRAÇÃO.

Por Pedro Muniz





“Nossa união não é de Estados, senão de pessoas.”
Jean Monnet


RESUMO

O regionalismo é um dos traços caracterizadores da Ordem Mundial Contemporânea. Desde meados do século passado, diversos modelos de integração foram experienciados e diferentes blocos regionais foram formados, em todos os continentes. A integração, em suas vertentes econômica, política e cultural vem sendo vivenciada como modo de fortalecimento e surgimento de pólos de poder, mormente após o fim da guerra fria e da ordem bipolar.
O presente trabalho tem por objetivo analisar de maneira superficial e introdutória o fortalecimento do referido processo de regionalização como um influente fator de caracterização de uma nova ordem mundial, bem como consistir em estudo inicial do tema para os profissionais das mais diferentes áreas. Serão abordadas brevemente o modelo de integração europeu, algumas iniciativas latino-americanas e a estrutura institucional do MERCOSUL.











TEORIAS DA INTEGRAÇÃO


As primeiras formulações teóricas acerca do fenômeno da integração surgiram na década de 1950, com a emergência das comunidades europeias. A referida década, bem como a posterior foram influenciadas pela abordagem funcionalista. No contexto da bipolaridade, os teóricos focavam-se nos valores ideológicos e nas relações de poder entre as duas potências mundiais. Cabe citar um dos nomes mais influentes do período, Karl Deutsch, para quem a integração servia como meio de suprimir os conflitos entre as nações e, de tal maneira garantir a segurança entre elas. Outro eminente teórico do período, Ernest Haas, definiu integração como : “processo de transferência de lealdade, expectativas e atividades políticas a um novo centro de poder que passa a ter jurisdição sobre o(s) anterior(es), processo este que envolvia a busca do consenso através da persuasão.” O funcionalismo associou-se, portanto, à proliferação de organizações internacionais ocorrida no contexto histórico de sua formulação.
As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelo neofuncionalismo, sob a ótica da economia política internacional e centrado em temas como a interdependência das nações e a emergência de novos atores não estatais na sociedade internacional competindo com os Estados. A perspectiva doméstica também foi introduzida como determinante no processo de internacionalização. Conforme os grupos internos sejam mais ou menos competitivos em um cenário de integração comercial, arcando com custos ou usufruindo de benefícios com o mesmo, exercem eles pressão sobre os governos, seja a favor da liberalização ou da proteção dos mercados.
Já na década de 90, novos postulados teóricos surgiram, buscando superar a dicotomia interno-externo na explicação da dinâmica de internacionalização, e preocupando-se com temas como o desenvolvimento de estratégias por parte do Estado como forma de conquistar seus interesses e conduzir o processo negociador. Dentro dessa perspectiva, tentou-se explicar e aprimorar as negociações internacionais, através da teoria dos jogos, do behaviorismo e da psicologia social. Algumas das teorias levavam em conta apenas a racionalidade dos negociadores, como se as negociações pudessem encaixar-se em lógicas matemáticas com resultados previsíveis, enquanto outras levavam em conta o aspecto emocional dos negociadores como fator preponderante na condução dos debates.
Nessa perspectiva cabe salientar a análise estrutural da negociação, onde cada ator dispõe de diferentes meios de exercer pressão ou oferecer recompensas, mobilizar recursos e desenvolver táticas de modo a usufruir de maior ou menor poder de barganha nas negociações. Cabe ainda distinguir entre os conceitos de negociação integrativa e distributiva. Esta, ligada a um jogo de soma zero caracteriza-se pelos interesses opostos das partes, onde cada uma busca a preponderância de seus interesses e o resultado reflete a predominância de uma parte em detrimento da outra. Já as negociações integrativas regram-se pelos princípios de solidariedade recíproca, confiança e credibilidade mútua, onde são respeitados os interesses do negociador contraparte e o resultado alcançado implica em ganhos relativos para todas as partes envolvidas. Contudo não existe um tipo puro de negociação, todas são mistas, de modo que se pode falar apenas em negociações predominantemente integrativas ou distributivas.
Outras importantes teorias devem ser mencionadas, como a institucionalista, que estuda a influência das instituições internacionais no comportamento dos Estados, e ainda visões teóricas, como a do sistema-mundo, centrado no capitalismo como modo de expressão de liderança em âmbito regional, a da interdependência não hegemônica, onde o regionalismo associa-se em grande parte ao multilateralismo pós-Guerra Fria, e a dos Estados-região, onde as empresas e os consumidores globais, inseridos em fluxos constantes de investimento e de informação, tornam obsoleto o papel do Estado em tais intermediações.
Apesar de toda a elucubração teórica desenvolvida, é notório que nenhuma teoria se mostrou suficiente para descrever e explicar as complexas interações entre os Estados que se dão de modo diferente de acordo com as realidades históricas, econômicas e culturais de cada região.



BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DE SOBERANIA


Os Tratados de Westfália, de 1648, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos entre Alemanha e França, constituem marco inicial do paradigmático Estado-nação. Tal concepção baseava-se em um conceito de soberania de moldes bodinianos, onde esta seria absoluta, ilimitada e indivisível, ou seja, expressão máxima de poder. Durante muito tempo, os únicos sujeitos de direito internacional público foram os Estados Nacionais, soberanos, que ao relacionarem entre si constituíam a sociedade internacional. A realidade mundial mostra-se, contudo, muito mais complexa do que poderiam imaginar os negociadores do século XVII, que, contudo, estabeleceram os paradigmas que até hoje insistem em regrar as relações internacionais, não obstante ao seu evidente esvaziamento teórico.
Dentro do atual contexto, os teóricos do direito internacional foram obrigados a admitir outros atores internacionais como detentores de personalidade jurídica internacional, ainda que esta se apresente diferentemente em cada um deles. Desse modo há que se considerar as organizações internacionais, de caráter intergovernamental ou não-governamental, e o indivíduo como sujeitos de Direito das Relações Internacionais.
É evidente que a soberania estatal não é absoluta. É ela um princípio geral do direito internacional, que se estende a outro princípio, o da não ingerência em assuntos internos. Estes princípios são reconhecidos pela sociedade internacional e estão elencados em diversos tratados de mesma natureza. Ora, se a soberania de um Estado, depende do reconhecimento de outro, e vice-versa, então nenhum deles é soberano de maneira absoluta. Resta clara a relativização, ou a diluição da soberania. Ademais, cumpre ressaltar que a mesma não é pertencente ao Estado, senão ao povo, de onde emana todo o poder, aquele somente exercendo-o em nome deste. Desse modo, não há que se falar em Estado soberano, senão em povo soberano, que exerce sua soberania por meio de seus representantes legais, não importando, nesse contexto, as dimensões do Estado-nação ou se os referidos representantes são de caráter nacional ou supranacional.
Ainda assim há aqueles que insistem em considerar o Estado como um fim e não um meio de proteção dos interesses do povo. A atual ordem mundial, já em transição, privilegia não o homem, como detentor soberano de seus direitos, mas os diferentes Estados-nação, em sua composição territorial restrita. Dentro desse escopo analisar-se-á a formação de diferentes blocos regionais, onde, em especial na União Europeia, já se observa o fenômeno da supranacionalidade, que há de fazer a transição para um sistema humanista, onde os Estados Nacionais abdicam de parte de sua soberania em razão do bem estar coletivo europeu. Nesse sentido, tal fenômeno não representa o fim de uma soberania já relativizada, mas sim a transferência de sua representação para uma instituição regional.


INTEGRAÇÃO EUROPEIA


Desde antes do fim da segunda guerra mundial, as duras rivalidades entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas já eram visíveis no âmbito internacional. A própria utilização das bombas nucleares teria sido apenas uma demonstração desnecessária de força, uma vez que o Japão já estava vencido e assinaria sua redenção em pouco tempo. A Europa estava devastada pela guerra e a histórica rivalidade entre França e Alemanha já havida custado incontáveis vidas. A guerra termina e os Estados Unidos lançam o Plano Marshall para reconstrução do continente europeu. Nesse contexto, a França propõe à Alemanha uma forma de evitar o flagelo de um possível conflito futuro, como sempre ocorrera historicamente. Tal estratégia seria a da integração econômica, que se daria tendo em vista os interesses da indústria de aço alemã nos minérios franceses. O intuito era fazer com que as duas economias estivessem tão intimamente ligadas que uma guerra entre os dois países fosse inviável, assegurando assim, a segurança no continente. Ademais, em muito interessava aos Estados Unidos a integração européia, como modo de evitar a proliferação comunista. O país chegou a sugerir, no âmbito da ONU, a criação dos Estados Unidos da Europa. De certa forma observava-se uma inversão nos rumos da história, na medida em que no século XVIII, as treze colônias da América do Norte haviam se deparado com a necessidade de se integrarem inicialmente em uma confederação, e posteriormente em uma forma absolutamente nova de organização, então conhecida como federação, com o objetivo de se defender militarmente de um país europeu, e agora era a Europa que enfrentava a necessidade de integrar seus mercados de modo a conseguir manter uma competitividade futura frente à gigantesca economia norte americana que então já se tornava hegemônica.
Desde 1947, a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo formavam um mercado comum que provara ser muito bem sucedido, conhecido como BENELUX. Tem-se o marco inicial da história da Comunidade Europeia quando, os três supracitados países e a Itália aderem à iniciativa franco-alemã. Em 1951 é assinado em Paris, um tratado que estabelece a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), então formada pelos seis referidos países. O tratado entra em vigor em 1952 e um mercado comum é aberto em 1953. Quatro anos depois é assinado o Tratado de Roma, que cria a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atômica ( CEEA, também conhecida por EURATOM). O Tratado seguia as diretrizes institucionais do anterior, criando uma Assembleia, um Conselho, uma Comissão e um Tribunal de Justiça. Importante notar o caráter supranacional da comunidade que a acompanha desde a sua criação. Observou-se então, com a entrada em vigor desses dois tratados, a criação de três comunidades distintas das quais faziam parte os mesmos seis países, e dentre as quais a mais importante era a CEE. Já se observava a existência de livre circulação de pessoas, bens e capitais. A principal falha institucional, apontada desde o início fora a criação de órgãos equivalentes e paralelos, com as mesmas quatro instituições básicas. Tal correção foi feita pela unificação dos executivos das três comunidades, em 1965, pelo Tratado de Bruxelas. Assim, as duas Comissões e os três Conselhos de Ministros foram substituídos por uma única Comissão e um único Conselho. As três comunidades foram administrativamente unificadas pelo tratado em questão, contudo, os tratados continuavam separados, sendo fundidos apenas com o Tratado de União, de 1992.
O Ato Único Europeu de 1986, celebrado em Luxemburgo modificou e completou os tratados de Paris e Roma, bem como reformou instituições, ampliou competências e consagrou a cooperação política entre os membros na área externa. Novos membros aderiram à comunidade europeia em 1973, 1981, 1986, 1995, totalizando atualmente 27 membros.
A União Europeia é estabelecida de fato pelo Tratado de Maastricht, de 1992, configurando-se numa união econômico-monetária, que zela pela segurança comum, bem como trata da política externa, negociada em bloco, e da cooperação no campo da justiça e dos assuntos internos. Possui como princípios fundamentais a democracia, a liberdade econômica , o primado do direito comunitário e a pós-nacionalidade .
As principais instituições que compõe a comunidade europeia são o Conselho Europeu, que fornece diretrizes políticas e expressa a posição comum nas questões de relações exteriores; o Parlamento, cujos membros são eleitos por voto direto e universal, representando os povos, não os Estados ; o Conselho da União Europeia, que não se confunde com o Conselho Europeu, que é o verdadeiro centro de gravidade institucional comunitário, dotado de poder de decisão, formado pelos representantes dos Estados; a Comissão Europeia, órgão realmente supranacional na parte executiva, formado por 17 membros que representam a comunidade, completamente independentes dos Estados-membros; e uma Corte de Justiça, permanente com jurisdição própria e competências exclusivas. Dentre outros há ainda um Tribunal de Contas, um Comitê das Regiões, um Banco Central Europeu e o Instituto Monetário Europeu. Cabe ressaltar que os membros das instituições são funcionários internacionais, sem qualquer tipo de vínculo com o Estado de origem. Não obstante a isso, são observadas certas distribuições geográficas. Tal critério de contratação de funcionários, aliado ao processo de decisão por maioria e tendo em vista a existência de órgãos supranacionais como é o caso da Comissão, contribuíram para a emergência de um modelo de integração ainda não definido pela ciência política, onde os Estados-nação abrem mão de parte de sua soberania em prol de uma integração que os beneficia, política, cultural e economicamente. A soberania é, portanto, diluída, relativizada, parecendo caminhar para uma federação, contudo, os estados nacionais mantêm em certa medida seu caráter soberano. Cumpre aqui salientar que a soberania de fato é pertencente ao povo, não ao Estado, desse modo, a questão não engloba transferência da mesma por parte dos Estados-membros, senão de competências para exercê-la em nome do povo europeu.





INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA


Em 1958, a CEPAL publicou em seu relatório anual a recomendação de criação de uma zona de livre comércio na América Latina, que por meio de substituição de importações e liberalizações comerciais internas fortalecesse as economias latinas. Como resultado do referido estudo 11 países assinaram em Montevidéu, em 1960, tratado que instituía a Área Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), que previa a criação de um mercado comum entre os Estados-partes no prazo máximo de 12 anos. Contudo, a década de sessenta na América Latina revelou-se de extrema dificuldade no que tange ao processo de integração, visto que emergiram diversos governos militares no continente. Esse tipo de governo autoritário repudia qualquer tipo de tendência integracionista, por entender que o país perde sua soberania, e consequentemente, sua centralidade e seu poder, ao engendra-se nesse tipo de processo. De tal modo, as negociações no âmbito da ALALC foram em muito prejudicadas e paralisadas, de sorte que em 1972, quando expiraria o prazo máximo estabelecido, acordou-se em estendê-lo por mais oito anos.
Em 1980 é assinado um segundo tratado de Montevidéu que substitui a ALALC pela Associação Latino Americana de Integração (ALADI), esta visando à criação de um mercado comum latino americano, porém dessa vez sem prazo determinado para a sua concretização, de sorte a não frustrar qualquer tipo de expectativa. O tratado prevê a cláusula de nação mais favorecida e os princípios da gradualidade e flexibilidade. Favorece ainda, o estabelecimento de acordos bilaterais entre as partes, como forma de desenvolver a integração econômica que deverá posteriormente se estender aos demais membros da ALADI. Desta são membros os mesmos 11 países que constituíam a ALALC.
PROJETOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA LATINA


Diferentes projetos foram desenvolvidos nas últimas décadas objetivando a integração regional no continente latino americano. Passa-se agora a mencionar alguns dos referidos projetos.
A Comunidade Andina de Nações foi estabelecida pelo Acordo de Cartagena, em 1969, tendo sido conhecida até 1996 por Pacto Andino. Era formado por Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela e Chile, e objetivava o desenvolvimento da região para sua melhor inserção na ALADI. Contudo, o bloco sofre atualmente uma paralisação institucional, devido à saída da Venezuela e à crise da Colômbia com seus vizinhos. O Chile já havia abandonado o bloco em 1977.
O Projeto Mesoamérica é formado pelos países do sudeste mexicano e os sete países do istmo centro americano. Colômbia aderiu à iniciativa em 2006. Objetiva o desenvolvimento econômico com respeito à diversidade cultural e étnica. O Sistema Econômico latino-americano foi outro mecanismo, crido em 1975, composto por 24 países membros, que seria uma versão renovada do nacionalismo americano. Em 1968 é criado o CARIFTA, posteriormente CARICOM (1972), mercado comum que objetivava a coordenação da política exterior das partes e a integração econômica.
Cabe ainda citar a Alternativa Bolivariana para a América Latina e Caribe, proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, buscando o reforço da autodeterminação e da soberania dos povos, em um modelo de integração que representava a antítese do Consenso de Washington, sendo, portanto, contrário às políticas econômicas implantadas no fim do século passado pelos EUA e por organismos internacionais como o Banco Mundial. Tal mecanismo é formado por Cuba, Venezuela, Bolívia, Honduras e Nicarágua, pretendendo ser um modelo desenvolvimento independente, baseado na complementaridade econômica regional.
Outros projetos como o Mercado Comum Centro Americano e a Área de Livre Comércio Sul- Americana (Alcsa), esta, proposta unilateralmente pelo Brasil na década de 1990, lamentavelmente não prosperaram. Todavia, há ainda um projeto no qual grandes esperanças estão depositadas, é ele a UNASUL, União das Nações Sul Americanas, antiga CASA, Comunidade Sul Americana de Nações. O tratado constitutivo da UNASUL foi assinado em Brasília, em 23 de maio de 2008 e o mecanismo comporta 12 países do continente, empenhados na construção de um espaço sul-americano integrado política, econômica, social e ambientalmente. Estabelece por bases de apoio as experiências da Comunidade Andina de Nações, e o MERCOSUL. Este constituindo a coluna vertebral na construção de uma América do Sul forte e integrada, pólo de emanação de poder global, na nova ordem mundial em transição.


MERCOSUL


O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) teve sua concretização advinda da aproximação entre as duas maiores potências da America do Sul, quais sejam, Brasil e Argentina. A relação histórica de rivalidade entre os dois países converteu-se em cooperação principalmente a partir da metade da década de 1985, período em que as duas nações viviam situação em muito semelhante, no que tange ao processo de redemocratização, após longo período de ditadura militar, à questão da dívida externa, e à instabilidade econômica vivida por ambos. Já em 1979, a solução da controvérsia Itaipu - Corpus, em muito viabilizou a aproximação dos vizinhos latinos. Outro marco fundamental na referida aproximação bilateral foi a celebração, por Sarney e Alfonsín, da Ata de Iguaçú, em 1985, documento que expressou a intenção de integração entre os dois países, bem como trouxe segurança para o continente na medida em que preconizou a utilização pacífica da tecnologia nuclear, evitando uma possível, dispendiosa e infeliz corrida armamentista na região.
Cabe ainda salientar a solidariedade à Argentina expressa pelo Brasil, por ocasião da Guerra das Malvinas, quando o governo argentino invadiu as ilhas britânicas desde há muito reivindicadas pelo país americano como fazendo parte de seu território. Sabemos todos do desfecho infeliz para nosso vizinho que até os dias de hoje reivindica a posse do referido território.
Um Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE),foi estabelecido pela Ata de Integração Brasileiro - Argentina, em 1986, e posteriormente (1988) os dois países assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, prevendo a criação de um espaço comum no prazo de 10 anos. Tal prazo foi encurtado pela metade por ocasião da Ata de Buenos Aires, em 1990, quando Brasil e Argentina previram o estabelecimento de um mercado comum bilateral até 31 de dezembro de 1994. Inicia-se aqui, os debates multilaterais, com a possibilidade de inclusão do Chile e do Uruguai no processo negociador.
É também de 1990 o Acordo de Complementação Econômica n. 14 (ACE14), entre Brasil e Argentina, que traçou as principais diretrizes e estabeleceu os principais órgãos intergovernamentais de integração.

Tratado de Assunção

Celebrado por em 26 de março de 1991 por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, prevê o estabelecimento de um mercado comum entre os quatros países até 31 de dezembro de 1994. Cabe observar que o referido prazo foi estabelecido tendo em mente a vontade política de integrar e não aspectos técnicos, uma vez que dificilmente o mercado comum entraria em vigor no prazo estipulado, tendo sido necessário a explicitação do princípio da flexibilidade como base do acordo. O prazo foi estabelecido para um período ainda coincidente com os mandatos dos respectivos presidentes da Argentina e do Brasil, pedras basilares da integração, de modo que a eleição de outro governo não mudasse a política externa dos países, alterando assim, os rumos da integração.
Apesar de alguns autores apontarem o Tratado de Assunção como divisor de águas na Integração latino-americana, ele nada mais foi do que a continuação do processo integracionista já estabelecido por Brasil e Argentina desde meados da década de 80, sendo apenas um aperfeiçoamento para âmbito multilateral do ACE14, representando assim, a continuidade do processo.
O Tratado de Assunção proclama os princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio, bem como prevê a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, o estabelecimento de uma tarifa externa comum, a coordenação de políticas macroeconômicas e o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes. O MERCOSUL é fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre as partes e seu tratado constituinte prevê a criação de dois órgãos principais, o Conselho do Mercado Comum (CMC), correspondendo ao órgão superior ao qual cabe a tomada de decisões e a condução política do bloco, e o Grupo Mercado Comum (GMC), órgão executivo, que conta com uma Secretaria Administrativa. As decisões dos referidos órgãos são tomadas por consenso, o que significou importante vitória aos interesses dos dois sócios menores, Paraguai e Uruguai, já que assim seriam detentores de poder de veto. Contudo, não obstante a tal sistema, a influência exercida por Brasil e Argentina permanece basilar na tomada de decisões, não sendo tão simples para os outros dois membros vetar uma proposta acordada entre eles, já que estes possuíam enorme poder de barganha nas negociações intra-bloco.
O tratado prevê a possibilidade de adesão de novos membros após cinco anos de sua entrada em vigor e mediante aprovação unânime dos Estados Partes. Prevê ainda reuniões para estruturar o sistema institucional definitivo e o sistema de solução de controvérsias. Os anexos do tratado estabelecem sobre o programa de liberação comercial, o regime geral de origens, o sistema provisório de solução de controvérsias e os subgrupos de trabalho do GMC.

Período de Transição

Correspondente ao período entre a assinatura do Tratado de Assunção, em março de 1991 e 31 de dezembro de 1994, quando deveria entrar em vigor o MERCOSUL. O período foi marcado pela implementação inicial dos compromissos comunitários, bem como por contradições entre os sócios e a ameaça da Argentina de abandonar o bloco em favor de acordos de livre comércio com os Estados Unidos da América e com a Nafta .
Em junho de 1992, em Las Leñas, Argentina, deu-se a II Reunião do Conselho do Mercado Comum, onde foram discutidas questões pertinentes à construção da área de livre comércio e da união aduaneira, como normas de origem, harmonização de políticas, critérios para definição da tarifa externa comum (TEC), políticas contra práticas desleais de comércio, enfim, discussões eminentemente técnicas de caráter econômico-comercial. Foi adotado na reunião o Cronograma de Las Leñas, que conferiu importante operacionalidade ao processo, ao estabelecer metas de esforço comum dos membros e prazos para alcançá-las. Na medida em que se punham em prática as medidas de desgravação tarifária, o comércio intra-bloco cresceu exponencialmente e, mais notadamente entre Brasil e Argentina.
O período, contudo, também foi marcado por uma série de medidas restritivas por parte da Argentina, ao mercado brasileiro, comprometendo assim as negociações, mormente devido às incertezas argentinas acerca do processo de integração. A Argentina estava dividida em dois principais interesses quanto à sua política externa, engendrar-se em uma integração latino-americana, representada operacionalmente pelo MERCOSUL, dentro do qual o Brasil era seu mais importante sócio, ou celebrar tratados bilaterais de livre comércio com os Estados Unidos da América e com a Nafta, o que lhe daria acesso privilegiado ao mercado norte americano. Outrossim, é importante lembrar que em 1990, o presidente Bush havia lançado uma Iniciativa Para as Américas (IPA), que consistia na formação de um regime de livre comércio no continente americano, com um mecanismo de incentivo a investimentos e a convertibilidade das dívidas externas dos países latino-americanos com os Estados Unidos em projetos ambientais. O Chile havia aceito de modo imediato a proposta do governo estadunidense, e outros países cogitavam fazê-lo. O Brasil opusera-se veementemente ao projeto, uma vez que o modelo, da forma como proposto representaria ingerência externa . Nesse contexto, com o risco de dispersão da integração sub-regional do Cone Sul representado pelo IPA e pelo Nafta, o Brasil concentrava esforços para reforçar os laços integrativos com seus vizinhos. Não obstante a tais esforços, a Argentina ameaçava abandonar a integração regional devido aos crescentes déficits comerciais que vinha sofrendo com a liberalização dos mercados, principalmente com relação à balança comercial com o Brasil, que se tornava cada vez mais desfavorável aos argentinos, principalmente em 1991 e 1992. Essa ameaça argentina lhe dava enorme poder de barganha nas negociações, tendo sido obrigado o Brasil a fazer diversas concessões durante o período, de modo a manter seu mais importante sócio engajado no processo integracionista. Contudo a retirada da Argentina da mesa negociadora não parecia provável, devido ao caráter eminentemente técnico que já havia sido imposto pelas negociações. O Brasil volta a ganhar poder de barganha no final de 1993, com a recuperação econômica, consubstanciada pelo Plano Real de 1994. Já em julho de 1993 o Brasil endurece sua posição, não sendo mais condescendente com as medidas unilaterais tomadas pela Argentina , no momento em que esta adotou a alíquota zero para a importação de bens de capital, o que na prática anulava as preferências de que usufruíam as exportações brasileiras. O Itamaraty passou a tratar dos assuntos comerciais, com a possibilidade de impor retaliações à Argentina decorrentes de tais medidas impostas por esta. Entretanto, a controvérsia foi solucionada conciliatoriamente pelo ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso junto com o ministro argentino Domingo Cavallo.
Temas que estiveram na agenda de debates durante o período de transição foram, dentre outros: regime de origem, restrições não-tarifárias, cláusulas de salvaguarda intra-Mercosul, e defesa de concorrência. Dentre estes, apenas o primeiro, onde havia convergência entre os interesses da Argentina e do Brasil pôde ser concluído no referido período.

Desenvolvimento institucional do MERCOSUL

A organização institucional do MERCOSUL se aperfeiçoou a partir do Protocolo de Ouro Preto, assinado em dezembro de 1994, que entraria em vigor em fevereiro de 1996. Foram estabelecidos os seguintes órgãos: Conselho do Mercado Comum (CMC); Grupo Mercado Comum (GMC); Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM); e o Foro Consultivo econômico e Social (FCES), tendo os três primeiros capacidade decisória de natureza intergovernamental, consoante o artigo 2 do referido diploma legal.
O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior, formado pelos ministros das relações exteriores e pelos ministros da economia ou equivalentes de cada Estado. Possui a incumbência de conduzir a política de integração do bloco, exercer a titularidade da personalidade jurídica do MERCOSUL, dentre outras atribuições enumeradas no artigo 8 do tratado. Manifesta-se por decisões.
O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do bloco e suas atribuições são explicitadas no artigo 14 do protocolo. Manifesta-se por meio de resoluções. A Comissão de Comércio do Mercosul assiste o GMC e vela pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira. Manifesta-se através de diretrizes ou propostas. A Comissão Parlamentar Conjunta representa os parlamentos dos Estados Membros, e compete a ela agilizar os procedimentos internos de aplicação das normas emanadas pelos órgãos do MERCOSUL, bem como harmonizar as legislações, nos moldes requeridos pela integração. Manifesta-se por recomendações. O Foro Consultivo Econômico e Social também se manifesta por recomendações, representando os setores econômicos e sociais do bloco. A Secretaria Administrativa do Mercosul funciona dando apoio operacional aos demais órgãos e sua sede é em Montevidéu.
O Protocolo de Ouro Preto também expressa a personalidade jurídica do Mercosul, em seu artigo 34 e reafirma, no artigo 37 a tomada de decisão por consenso e estabelece ainda, no artigo 41 a fontes jurídicas do bloco, quais sejam, o Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais, os acordos celebrados em seu âmbito e as Decisões do CMC, as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM.
Em 09 de dezembro de 2005 foi assinado o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, este que substitui a Comissão Parlamentar Conjunta e que foi constituído em 06 de dezembro de 2006, como órgão representativo dos interesses dos cidadãos mercosulinos. Os parlamentares são eleitos pelos cidadãos dos Estados Parte por meio de sufrágio universal, direto e secreto. Os primeiros parlamentares foram escolhidos pelos Estados Partes, que buscaram, de modo geral, manter aqueles que já faziam parte da CPC. Contudo, foi-se estabelecido que durante o primeiro período de transição , a população já iria às urnas eleger seus representantes. O povo paraguaio elegeu seus primeiros representantes em 2008, os argentinos e os uruguaios os elegerão em 2011, devido a mudanças em seus calendários eleitorais, e nós brasileiros elegeremos nossos parlamentares no presente ano de 2010. O Parlamento possui como uma de suas funções acelerar o processo de incorporação interna das normas do Mercosul, e observa-se aqui que o que poderia parecer um início de supranacionalidade dentro do bloco, mormente pelas decisões serem tomadas por maioria e não por consenso como nos demais órgãos, em verdade não se realiza, por não possuir o Parlasul poder legislativo. Isso inobstante terá enorme importância na construção de uma identidade mercosulina, e contribuirá sobremaneira com o demorado e gradual processo de integração cultural, cabendo frisar a criação do “Dia do MERCOSUL Cidadão”, para a eleição dos parlamentares de forma simultânea em todos os Estados Partes. Preconiza o Protocolo Constitutivo do Parlasul que tal eleição conjunta deverá se realizar durante o ano de 2014.

Evolução do Sistema de Solução de Controvérsias no MERCOSUL

O Tratado de Assunção previa um sistema simples e provisório para resolver as eventuais controvérsias que surgissem entre os Estados Membros. Estava explicitada no anexo III do tratado e consistia em negociações diretas entre os Estados envolvidos, seguido de mediação do GMC, que poderia convocar grupos de peritos ou especialistas para que em 60 pudesse fazer as recomendações pertinentes. Caso o procedimento não resultasse na solução do conflito, então este seria elevado ao CMC, para que este fizesse as recomendações adequadas. Observa-se, portanto, um sistema vago e lacunoso, onde não há um laudo obrigatório para os Estados, somente recomendações por parte dos órgãos.
Em dezembro de 1991, foi assinado em Brasília, um Protocolo para a Solução de Controvérsias no âmbito do MERCOSUL, que entraria em vigor em abril de 1993. Segundo esse tratado, os Estados teriam 15 dias para resolver a controvérsia mediante negociações diretas, não logrando resultado esse procedimento, o GMC teria 30 dias para manifestar suas recomendações, ainda sendo infrutífero tal procedimento, formar-se-ia um tribunal arbitral ad hoc que após ouvir as partes, emitiria uma decisão obrigatória e inapelável em até dois meses, prorrogáveis por mais 30 dias. Não havendo possibilidade de recurso de apelação as partes poderiam solicitar somente esclarecimentos acerca do laudo emitido pelo tribunal. No caso de descumprimento do laudo por qualquer das partes, a outra estaria autorizada a tomar as devidas medidas compensatórias. O Capítulo V do referido protocolo trata de reclamações de particulares, ou seja, de pessoas físicas ou jurídicas de direito interno. Nesses casos, o reclamante deverá comunicar a Seção Nacional do GMC, que poderá, caso acate o pedido, entrar em contato com a Seção Nacional do GMC do Estado reclamado, para solucionar diretamente a questão , ou elevá-la diretamente ao GMC. Este, se considerar pertinente a reclamação, convocará um grupo de peritos e emitirá uma decisão em 30 dias. Se a decisão constatar a procedência da reclamação contra um Estado-Parte, então qualquer outro membro do MERCOSUL poderá requerer-lhe medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Caso tal requerimento não acarrete em resultados, iniciar-se-á o procedimento arbitral acima explanado.
O Protocolo de Ouro Preto modificou parcialmente o Protocolo de Brasília, especialmente no tange à Comissão de Comércio do Mercosul. Com a criação deste órgão, as questões que pertencerem à sua área de competência serão resolvidas da seguinte forma: as reclamações advindas de Estados ou de particulares serão encaminhadas através da Seção Nacional da CCM à CCM, que apreciará o tema em sua próxima reunião, caso não se chegue a um acordo, será convocado um comitê técnico e este encaminhará ao referido órgão, no prazo máximo de 30 dias, um parecer conjunto sobre a matéria, que será novamente apreciada, em busca de um consenso. Caso este não seja alcançado, a CCM encaminhará ao GMC as diferentes alternativas propostas, a fim de que seja tomada uma decisão quanto à matéria. O GMC se manifestará no prazo de 30 dias. Havendo consenso quanto à procedência da reclamação, o Estado reclamado deverá adotar as medidas corretivas pertinentes, caso tais medidas não sejam tomadas, o Estado reclamante poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral exposto no capítulo IV do Protocolo de Brasília.
Em 2002 é assinado o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul, tratado que revoga o Protocolo de Brasília e dispões sobre mudanças fundamentais no sistema, mormente com a criação do Tribunal Permanente de Revisão (TPR). No que tange às divergências entre Estados, estes deverão buscar resolvê-las por meio de negociações diretas no prazo máximo de 15 dias, caso não logre resultados tal procedimento, a controvérsia poderá ser opcionalmente submetida às recomendações do GMC, ou encaminhada diretamente ao procedimento arbitral ad hoc. O laudo obrigatório do Tribunal Arbitral será emitido em no máximo 60 dias. Algo inovador até então foi previsto pelo protocolo, a possibilidade de revisão do laudo. Caso tal recurso seja requerido , caberá a controvérsia a apreciação do Tribunal Permanente de Revisão, que poderá confirmar, modificar ou revogar as decisões do Tribunal ad hoc. O laudo do TPR será então inapelável e obrigatório, tendo força de coisa julgada. As partes na controvérsia tem ainda a opção de submeter-se diretamente ao TPR, sem passar pela instância do Tribunal Arbitral ad hoc, ressalte-se, contudo, que neste caso não caberá revisão do laudo. Os Estados possuem também a faculdade de fazer um requerimento de esclarecimento dos laudos, sejam eles de qualquer um dos dois tribunais. Caso um Estado não cumpra o estabelecido em um laudo, a outra parte poderá aplicar medidas compensatórias temporárias, objetivando o cumprimento total do laudo.
Quanto às reclamações de particulares, estes as formalizarão perante a Seção Nacional do GMC do Estado onde tenham residência habitual ou sede de seus negócios. Uma vez ponderada a reclamação, esta será encaminha à Seção Nacional do GMC do Estado a que se atribui a violação, buscando uma solução imediata da controvérsia. Esta não sendo alcançada em 15 dias, o GMC apreciará a matéria, convocando um grupo de especialistas que emitirá um parecer em 30 dias. Sendo este unânime quanto à procedência da reclamação, o Estado reclamante deverá adotar as medidas corretivas, sob pena de submissão da matéria aos supra-referidos tribunais. Ainda que o parecer não seja favorável ao reclamante, poderá ele recorrer aos procedimentos explanados nos capítulos IV a VI do referido protocolo. Cumpre ressaltar que o Protocolo de Olivos prevê a possibilidade de apreciação da controvérsia perante a Organização Mundial do Comércio ou qualquer outro esquema internacional de comércio do qual sejam partes os Estados envolvidos. Contudo, a controvérsia deverá ser encaminhada a um ou outro foro de solução, não podendo ser submetida a mais de um, como já havia sido feito anteriormente pelo Brasil, em questões comerciais com a Argentina. O Protocolo de Olivos foi ligeiramente alterado por um tratado celebrado em 2007 no Rio de Janeiro, de modo a se adequar a adesão de novos membros ao MERCOSUL, tal foi imperativo devido à assinatura, em 2006, do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao MERCOSUL. As adequações referem-se, contudo, a questão como a formação do TPR, não acarretando mudanças significativas no sistema de solução de conflitos já exposto. Importante salientar que a maior complexidade conferida ao sistema fortifica as instituições do MERCOSUL, favorecendo a integração regional.

MERCOSUL: Mercado Comum?

O Tratado de Assunção proclama a criação de um mercado comum entre as partes a 31 de dezembro de 1994. Quinze anos se passaram desde o prazo estipulado e o MERCOSUL está em plena vigência, cada vez mais institucionalizado e complexo. Contudo, será ele um verdadeiro mercado comum?
Para responder a essa pergunta se faz elementar expor brevemente acerca das definições expostas por diversos autores no que tange aos diferentes modelos de integração, levando em conta a maior ou menor proximidade dos vínculos de integração. As etapas de integração segundo Bela Belassa são, em ordem progressiva de intensidade de integração: área de livre comércio, caracterizada pela ausência de quotas ou tarifas; união aduaneira, que, ademais da característica anterior envolve uma tarifa externa comum; mercado comum, englobando os dois caracteres já citados e livre circulação de fatores; união econômica, com o diferencial de existência de uma harmonização de políticas econômicas e a integração econômica geral com a unificação de políticas e instituições econômicas.
Olavo Baptista tece as cinco liberdades imprescindíveis ao mercado comum, quais sejam, livre circulação de mercadorias, liberdade de estabelecimento, livre circulação dos trabalhadores, liberdade de circulação dos capitais e liberdade de concorrência. Estas cinco liberdades são em geral consubstanciadas na expressão: livre circulação de fatores.
Mediante a observação de que não há no MERCOSUL todas as supra-referidas liberdades, não podemos caracterizá-lo como um mercado comum. Cumpre salientar que, como já exposto, o prazo para estabelecimento de tal modelo de integração não foi concebido a partir de uma ótica técnica, senão política. Era patente, inclusive entre as altas autoridades diplomáticas, a inadequação da implementação do modelo ao prazo estipulado. Observa-se, pois, a explicitação da vontade política de integrar, consubstanciando os compromissos acordados.
A aplicação da união aduaneira não se restringe somente à aplicação da TEC, seu mais importante instrumento definidor, mas abarca ainda regulamentos de salvaguardas, regime de defesa contra práticas desleais de comércio, relativas a importações de terceiros países, normas de origem, sistema de valoração aduaneira comum, tratamento de zonas francas, entre outros.
Evoluímos, portanto, gradualmente nas etapas integracionistas, bem como fez a Europa, esta passando pela área de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica para se mostrar hoje uma união econômico-monetária. O MERCOSUL, destarte, ultrapassou a fase de livre comércio, atingindo, em janeiro de 1995, a partir da vigência da tarifa externa comum, o grau de união aduaneira incompleta ou imperfeita. Diz-se incompleta devido à lista de exceções contida na TEC, ademais às outras disciplinas, que não foram estabelecidas apropriadamente ao final do período de transição.
Olavo Baptista , em onda otimista, por ele próprio admitida classifica o MERCOSUL como um mercado comum sui generis. Entretanto, a doutrina reconhece, e pode-se afirmar por certo que, tratando-se de Mercado Comum do Sul, estamos em verdade, nos referindo a uma união aduaneira.
Sem prejuízo da correta definição acima, e levando em conta a inexistência de uniões aduaneiras ou mercados comuns puros, apresentando os diferentes modelos de integração apenas aspectos dos mesmos, o Itamaraty classifica o MERCOSUL como “uma zona de livre comércio e uma união aduaneira em fase de consolidação, com matizes de mercado comum.”

Adesão da Venezuela ao Mercosul

O Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul foi assinado em Caracas, no dia 04 de julho de 2006. Contudo, para a efetiva incorporação do país ao bloco é necessária a ratificação do referido tratado por todos os parlamentos dos Estados Partes. O Congresso Nacional brasileiro aprovou a adesão no final de 2009. O mesmo já havia sido feito no Uruguai e na Argentina, restando apenas a ratificação por parte do Paraguai para que nosso vizinho sul-americano se torne membro pleno do bloco sub-regional.
A Venezuela possui o terceiro maior PIB da América do Sul e é um país riquíssimo em recursos naturais e minerais. Até pouco tempo atrás, detinha 70% das reservas de petróleo da América do Sul . Com sua adesão o MERCOSUL passa a possuir 70% do território, 3/4 do PIB e 2/3 da população da América do Sul, o que constitui conquista em demasiado auspiciosa a integração do Cone Sul.
Alguns são reticentes quanto a tal adesão alegando que a Venezuela desrespeitaria a cláusula democrática proclamada pelo Protocolo de Ushuaia, no âmbito do Tratado de Assunção. Não obstante às pertinentes críticas a aspectos autoritários do governo de Hugo Chávez, devemos considerar inicialmente que este foi eleito pelo povo e é reconhecido como formalmente democrático, inclusive pela Organização dos Estados Americanos. Outrossim, é de importância elementar o entendimento de que o que está aderindo ao MERCOSUL não é o governo de Chávez, mas sim o Estado venezuelano. Ademais, a referida adesão contribuirá sobremaneira para a solidificação da democracia no país, vez que este terá que respeitar a cláusula democrática preconizada pelo supracitado protocolo, sob pena de expulsão do bloco. Não há, portanto, que se falar em prejuízo ao MERCOSUL com a entrada da Venezuela, somente em benefícios, mesmo porque é evidente que o peso e a influência política, diplomática e econômica dos demais Estados Partes não permitiria jamais qualquer tipo de contágio autoritarista entre eles.
Tendo sido considerados os aspectos acima, resta óbvio que a adesão da Venezuela ao MERCOSUL será de importância fundamental no sentido de fortalecer a integração na América do Sul, tanto em extensão quanto em profundidade. As instituições serão adensadas e se farão mais complexas, tornando cada vez mais forte e preponderante o papel do continente sul-americano no cenário político e econômico mundial.


CONCLUSÃO



Ainda hoje alguns acadêmicos se questionam se é mais vantajoso ao Brasil desenvolver-se descolado de seus vizinhos da América do Sul ou integrado a eles. Quanto a esse aspecto merecem ser reproduzidas as sábias palavras do nosso veterano embaixador Baena Soares, quando este diz que “integrar é imperativo”. Não há dúvidas quanto aos benefícios econômicos, políticos e sociais decorrentes da integração. Em primeiro lugar, a segurança do continente é garantida, vez que é do interesse das partes o desenvolvimento das demais, não restando espaço para conflitos armados. Não obstante a isso, são patentes os benefícios comerciais aos países mercosulinos advindos do crescimento do comércio intra-bloco, decorrente da liberdade de circulação de mercadorias. Politicamente, o Cone Sul ganha visibilidade perante a sociedade internacional passando a representar um centro de poder independente dos Estados Unidos da América. Considerações merecem ser feitas acerca da influência que este país sempre exerceu sobre nosso continente, muitas vezes em processo contrário ao da integração regional. Desde o lançamento da Iniciativa para as Américas (IPA), proposta pelo presidente Bush em 1990, passando pela Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), e posteriormente, com a paralisação das negociações desta, com as tentativas de firmar acordos bilaterais de livre comércio com países latino americanos, os Estados Unidos representaram eminente risco de dispersão entre os países do Cone Sul de seu processo integracionista. Destarte, observamos atualmente a existência do referido tipo de tratado bilateral entre aquele país e o Chile, a Colômbia e o Peru, só para citar alguns exemplos. Nesse contexto, a solidificação e expansão do MERCOSUL representam importantes conquistas para o continente. Destaca-se que até pouco tempo atrás o Uruguai cogitava a hipótese de se retirar do bloco a fim de celebrar tratados de livre comércio com os EUA. Dessa forma, constituiu importante vitória para a integração sul-americana a eleição do presidente José Pepe Mujica, cuja campanha eleitoral foi embasada na integração regional. Sua eleição representou, portanto, o fim dos dilemas uruguaios. O MERCOSUL se sobressai, portanto, como representante da vitória da integração sub-regional sobre a influência estadunidense.
A integração comporta aspectos políticos, econômicos e culturais. Nesse sentido, falta a nós o empenho necessário para a construção de uma identidade cultural sul-americana. Possuímos uma história em comum e, diferentemente das comunidades europeias, possuímos uma afinidade linguística excepcional, que em muito facilita nosso convívio. É necessário que cultivemos essa afinidade, em busca de uma integração que independe de vontade política, mas que também se constrói de maneira gradual e flexível. É imperativa a criação e fortificação de uma identidade mercosulina, afinal, como afirmara a respeito da Europa, Jean Monnet: “Nossa união não é de Estados, senão de pessoas.” Nesse sentido se faz de importância fundamental as parcerias entre faculdades e a incorporação de temas referentes ao MERCOSUL na agenda cultural, na mídia e nas áreas de produção de saber dos Estados Partes.
Vale ressaltar que as negociações no âmbito do MERCOSUL tem sido desde sua origem, predominantemente integrativas , de modo que os resultados tem apresentado ganhos relativos para todas as partes.
Muito se tem criticado o MERCOSUL pela ausência de supranacionalidade em suas instituições. De fato, o referido mecanismo regional caracteriza-se por seu aspecto eminentemente intergovernamental. Não há entre nós um órgão como a Comissão da Comunidade Europeia, de caráter evidentemente supranacional, os funcionários do MERCOSUL representam, em geral, seus respectivos países de origem, não sendo funcionários internacionais concursados, como ocorre na União Europeia, além da tomada de decisão dos órgãos ser por consenso, em prejuízo da decisão por maioria, característica do bloco supranacional europeu. O Brasil, desde a criação do mecanismo de integração americano, deixou clara sua posição a favor da intergovernamentabilidade, de sorte a manter hegemônica sua influência no bloco. Essa característica, portanto, não confere primazia ao direito comunitário, o que impõe a necessidade de internalização das normas mercosulinas, procedimento que por certo limita o poder de atuação das instituições, vez que não há aplicação imediata de tais normas. Em verdade, não há sequer que se falar em direito comunitário, senão em direito da integração. Apesar de todas essas críticas, possuímos na América Latina uma aceitação das diferenças que não é possível se observar em nenhum outro lugar do mundo. Pessoas de diferentes cores, origens, classe social e nível educacional compartilham o mesmo espaço físico de forma harmoniosa e natural, não obstante os evidentes problemas sociais existentes. Como alegar ser o modelo europeu de integração exemplar, se dentro de um único país, como a Espanha, observa-se a co-existência conflituosa de quatro diferentes línguas, com movimentos separatistas, rivalidades locais e outros fatores de desintegração? Sim, a Europa inovou, e deve servir de exemplo institucional. Inaugurou o direito comunitário, com a concessão, por parte dos Estados Membros, de parte de sua soberania às instituições do bloco supranacional, incumbindo à ciência política o trabalho de definir e dissecar esse novo modelo de integração regional. Contudo, a literatura que atrela o conceito de institucionalização e funcionalidade à supranacionalidade se revela eurocentrada e simplificadora. O Observatório Político Sul-Americano sugere outros critérios de institucionalização a serem utilizados que não o da autonomia, tais como adaptabilidade, complexidade e coesão, de sorte que o MERCOSUL em sua breve história, já mostrou sua capacidade de se adaptar a crises, de tornar mais complexas suas instituições e ampliar suas competências e a uniformizar seu posicionamento em foros internacionais. Tudo isso, somado a prioridade conferida aos respectivos governos no sentido da integração salientam a força do bloco, onde a cooperação tem prevalecido sobre o conflito.
Observa-se, portanto, em todas as partes do globo a emergência de blocos regionais definidores da nova ordem mundial e caracterizadores de um mundo multipolar, onde o poder se distribui entre os diferentes pólos regionais. É nesse contexto que os mecanismos de integração devem ser privilegiados, ressaltando-se, na América Latina, a UNASUL e o MERCOSUL. Devem ambos ser prioridade na agenda externa dos países latino-americanos. Nesse sentido é de grande valia a adesão da Venezuela a este mecanismo, bem como a possível futura adesão da Bolívia. Dentre os cinco países associados ao MERCOSUL, Bolívia, Equador, Colômbia, Peru e Chile, apenas os dois primeiros podem aderir ao bloco no presente momento, devido ao fato de que os outros três possuem acordos bilaterais de livre comércio com os Estados Unidos, de modo que uma adesão descaracterizaria a tarifa externa comum, e consequentemente a união aduaneira. Tal situação evidencia a remanescente influência estadunidense na região.
São patentes as grandes assimetrias existentes dentro do bloco. O PIB da Argentina, segundo maior da região é equivalente a 1/3 do PIB brasileiro. O Brasil é irrefragavelmente o país de maior influência econômica e política, possuindo a maior porcentagem da população, do território e das riquezas naturais da região. É devido a isso que cabe a nós sermos generosos com nossos vizinhos, a fim de formar uma união sul-americana forte e estável, política e economicamente, afinal, como já declararam inúmeras vezes o presidente Lula e o nosso chanceler Celso Amorin, o desenvolvimento dos nossos vizinhos e da região é do interesse direto do Brasil.









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