quarta-feira, 28 de abril de 2010

Lula e seu amigo Mahmoud Ahmadinejad e Carta ao Pedro Muniz

Por Rodrigo Pinheiro


Esta publicação divide-se em duas partes: a primeira delas é uma opinião minha a respeito da política externa brasileira em relação ao Irã e chama-se Lula e seu amigo Mahmoud Ahmadinejad, enquanto a segunda é uma carta destinada a rebater o artigo publicado pelo Pedro Muniz A política brasileira em relação ao Irã. Nesse sentido, aconselharia ler o trabalho do Pedro antes de ler a segunda parte desta publicação.

Lula e seu amigo Mahmoud Ahmadinejad,


A política externa brasileira em relação ao Irã é alvo de críticas. Críticas que vem de uma relação que se intensifica entre o Brasil e o Irã, quando tudo indica que deste país deveríamos nos afastar. As políticas interna e externa dos dois países são divergentes e o grau de credibilidade são avessos um ao outro, de modo que entrelaçar interesses econômicos, dar um apoio incondicional ao Irã em um momento tão delicado como o atual, em que é acusado de estar produzindo armas nucleares, pode colocar a própria credibilidade do Brasil e do seu projeto nuclear no cenário internacional em risco.

Vejamos se essas críticas são pertinentes. Já vão mais de cinco anos que Alemanha, que lidera as negociações, Estados Unidos, França, Inglaterra, China, Rússia e a Agência Internacional de Energia Atõmica tentam dialogar com o Irã para que ele permita que os inspetores internacionais verifiquem a idoneidade da sua produção nuclear, sem nenhum tipo de sucesso. No início das negociações, o Irã possuía cerca de 70 centrífugas de beneficiamento de urânio (o Brasil deve ter umas dezenas, talvez centenas), hoje possui 3.772. Devemos lembrar que para que essa energia nuclear seja para fins pacíficos, são necessários reatores de energia nuclear que transformam essa energia em energia utilizável. Indaga-se: se é para fins pacíficos, quantos reatores o Irã possui? Nenhum. O Brasil, com muito menos centrífugas, possui uns vinte reatores.

Fortalecendo esse ponto de vista, o último relatório da Agência Internacional de Energia Atômica diz claramente que a ONU garante ter ''vastas e confiáveis informações'' e que "elas causam preocupação sobre a existência, no passado e no presente, de atividades nucleares sigilosas com objetivo de desenvolver uma carga nuclear para mísseis", conclui o estudo. Estudo esse mais pessimista do que aqueles do próprio serviço militar americano, que informou, em 2007, que o programa iraniano tinha parado em 2003. O relatório afirma ainda que a quantidade de urânio no Irã saltou de 300 quilos para 2,06 toneladas de urânio, o que daria pra fazer duas bombas nucleares. Como se não bastasse, declarações de Mahmoud Ahmadinejad ensejam as mais sinistras interpretações. Disse que, caso Israel ataque seu país, acabará com o problema de uma vez por todas. Enfim.

Não são suspeitas quaisquer. Essa é a questão. Dizer que o Brasil tem o direito de não permitir que os inspetores vejam as suas centrífugas e que, por isso, o Irã também tem, é comparar alhos com bugalhos, nas palavras de Marcos Azambuja, vice-presidente do Cebri e embaixador brasileiro. O Brasil tem uma constituição que expressamente veda armas nucleares, é signatário do tratado de Tlatelolco, que institui a zona desnuclearizada da América Latina, do tratado de não proliferação de armas nucleares, possui bons dialogos com a Argentina e com a própria AIEA, além de ser o único país no mundo que recebe inspeções tanto da AIEA, quanto das decorrentes do acordo com a Argentina. Nosso país é um dos únicos países do mundo que vive sem ameaças externas e que também não ameaça ninguém. O avesso é o Irã. O governo não tem legitimidade dentro do próprio país, é uma ditadura fundamentalista que tenta exportar ao mundo a sua revolução, nega o Estado de Israel, fato que nem mesmo os grupos terroristas mais radicais fazem, é manisfestamente anti-semita, além de ficar em uma área instável políticamente, que é o Oriente Médio.

O Brasil permite a entrada dos inspetores da ONU para que eles vejam quantas centrígugas nós temos e para que façam os relatórios livremente. Até unidades militares e faculdades eles podem investigar. O que nós fazemos é cobrir as centrífugas para que não se revele o segredo industrial das tecnologias utilizadas no Brasil para o beneficiamento. No Irã, não é bem assim.

O Irã é signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares. Tratado esse parte eficaz, parte ineficaz. Parte eficaz porque permitiu que nós tenhamos apenas uns dez países com essas armas, não muito mais como provavelmente aconteceria. Ineficaz, porque o art 6º prevê que os líderes internacionais devem adotar medidas de redução dos armamentos nucleares, mas passaram-se décadas sem que alguém tenha se mobilizado. Entretanto, o tratado ainda faz parte do material que pode ser usado como argumento para impedir que armas nucleares se proliferem. O que o Irã faz quando não deixa os fiscais da ONU checarem minimamente as suas instalações é descumprir frontalmente o tratado de não-proliferação de armas nucleares. O que surpreende é que o Brasil, também signatário do tratado, empresta parte de sua credibilidade para um país que descumpre o próprio tratado pelo qual ele deveria zelar. Seria excessivamente ingênuo acreditar que um país com enormes reservas de energia, sem nenhuma tradição na área nuclear, com claras intenções de criar uma instabilidade na região, demonstrada pelas afirmações de Mahmoud Ahmadinejad, que, agora, está beneficiando urânio com muita intensidade, queira esse beneficiamento para fins pacíficos.

Não é que o Brasil simplesmente seja contra as sanções com o objetivo de forçar o Irã a negociar. O Brasil faz uma burrada planetária quando expressamente apoia o Irã, tanto que o vice-presidente afirmou com todas as letras que o Irã tem direito a ter armas nucleares, uma vez que essas armas são para fins pacíficos, lembrou o fato o cientista político da USP José Guilhon . O que o vice-presidente esquece é que o Irã não tem direito às armas e que armas nucleares para fins pacíficos é um paradoxo incurável. Basta perguntar aos habitantes de Hiroshima e Nagasaki.

Nossa diplomacia está sendo leniente, ingênua, tratando um fato que é seríssimo como se fosse um fato ordinário. Os riscos são óbvios e o único meio para que o Irã venha negociar é com sanções. Isso na melhor das hipóteses. Azambuja considera insuficiente as sanções e que elas não vão parar o programa nuclear iraniano, que, a despeito de produzir energia, muito provavelmente constroe o seu arsenal nuclear. Para ele, a China tem que começar a limitar as exportações ao Irã para que ele sinta realmente as dores das sanções.

José Goldenberg, físico da USP e Ex-Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia lembrou que o Brasil já foi sancionado pela Comunidade Internacional quando havia indícios de produção de armas nucleares aqui. Ficamos impossibilitados de importar supercomputadores para a previsão do tempo e para a extração do petróleo, o que nos levou a negociar. Reforçando a tese de que as sanções podem fazer com que o Irã comece a negociar com a Comunidade Internacional.

Podem afirmar: mas não existe comunidade internacional, o que existe é interesse norte-americano em gerar dúvidas quanto ao programa nuclear iraniano. Ora, se Alemanha, Inglaterra, França, Rússia e China, porque até a China suspeita da idoneidade do projeto iraniano, mais a Agência Internacional de Energia Atõmica, que é o braço da ONU em matéria nuclear, não representam a comunidade internacional, certamente não será o Brasil isoladamente que representará. Há também aqueles que alegam que o Irã é o novo Iraque, com o claro intuito de tentar fazer uma comparação com o ocorrido neste país quando, a pretexto de possuir armas nucleares, foi invadido. Roberto Abdenur, membro do Cebri e ex-embaixador do Brasil na China, Alemanha e em Washington, diz que essa comparação não é válida, uma vez que desde de 1991 já se sabia que o Iraque não possuia armas nucleares, enquanto em relação ao Irã, houve uma mudança de entendimento não dos Estados Unidos, mas da AIEA quanto à idoneidade da produção nuclear iraniana: antes afirmava-se que não era possível constatar irregularidades no programa nuclear iraniano até que, no último relatório técnico do órgão respeitabilíssimo da ONU, levantou sérias críticas ao programa.

O historiador Peter Demant, historiador e professor de relações internacionais, considera que dialogar com Mahmoud Ahmadinejad é dar mais legitimidade a um ditador que oprime a democracia e que possui claras intenções expansionistas. Acompanhado por Roberto Abdenur, considera que o argumento de que as sanções poderiam incomodar a população seria válido em tese, mas que se verificarmos a natureza das sanções, notaremos que elas não vão alterar as vidas das pessoas, porque as sanções seriam dirigidas a Guarda Revolucionária, que é uma espécie de complexo industrial-militar-econômico com muito controle no país.

Abdenur considera válido a postura do Brasil, que assume por dois anos cadeira no Conselho de Segurança da ONU, de privilegiar os princípios da diplomacia e de não aplicar as sanções. Entretanto, daí concluir de que nunca as sanções seriam válidas e de que elas não poderiam funcionar no caso seria desconhecer o fato de que as sanções podem funcionar.

O Brasil no caso perde muito. Ao emprestar seu prestígio para um país que levanta tantas desconfianças no cenário internacional, coloca o seu próprio projeto sobre questão. Tanto é assim que saiu recentemente um comentário na Science, respeitável revista de ciência no mundo, colocando nosso projeto em dúvida. É certo que o comentário foi feito por um leitor e não por uma pesquisa feita e aprovada pela revista, mas também é certo que foi publicado e que eles sabiam da publicação. O Washigton Post já fez referências semelhantes ao nosso projeto e a preocupação de Goldenberg é que isso levante dúvidas na Argentina sobre a fidelidade do Brasil com questões militares, uma vez que sempre está apoiando ditaduras militares pelo mundo afora. Em Cuba, nosso presidente parecia entar em casa, mais em casa do que no Brasil, estava sem terno, longe da imprensa e comparando os presos políticos de Cuba ao presos de São Paulo, esquecendo a diferença entre presos políticos e bandidos, mas isso é outro assunto que também não pegou bem para o Brasil.

A grande consequência é essa cegueira levantar dúvidas sobre nós mesmos. Poderíamos nos limitar a ponderar as sanções, mas não. O nosso presidente visita um governo fraudulento, leva camisa do Brasil, monta uma cooperativa de 81 empresas, lideradas pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industria que visa aumentar a cooperação indutrial entre Brasil, Irã, Egito e Líbano. Entre essas empresas estavam aquelas do ramo de tecnologia da informação, energia, construção civil, máquinas e equipamentos, alimentos e outros. Não que essas cooperações não sejam válidas, mas o momento não é oportuno para fazê-las e pode prejudicar seriamente algumas empresas que são cotadas nas bolsas exteriores.

Não tem um porquê esse apoio cego dado pelo Brasil. Deveríamos ser menos ingênuos e analisar mais objetivamente os fatos que estão em jogo. O Irã é um país expansionista, que está sob fortes suspeitas de produção de armas atômicas. A Comunidade Internacional já vem há tempos tentando negociar para que o Irã prove que o seu projeto é pacífico, mas nunca fez nem questão de provar. Enquanto isso, o Irã saltou de 70 para 3.772 centrífugas de beneficiamento de Urânio e a situação se agrava. Até quando o Brasil vai ser tão pacífico com questões tão sérias, quando toda a diplomacia já foi tentada? Dizer para o mundo que o Irã tem direito a armas atômicas não é engraçado, é muito sério. Bombas atômicas devem ser tratadas com muito rigor para que não se proliferem. Lula, para piorar a situação, desacredita dos EUA quanto ao fato deles estarem se desnuclearizando, disse:'' eu também tenho uns remédios velhos lá em casa, de vez em quando eu jogo fora''. Comentário descabido e que mostra como o Lula é favorável a perigos iminentes e como ironiza posturas que, mesmo que não resolvam a questão, indicam uma nova realidade e um novo modo de lidar com as armas.



Carta ao Pedro Muniz


Pedro,

Dizer que o Irã é uma democracia, porque formalmente ela é, é o mesmo que dizer que a ditadura varguista e militar no Brasil também era democracia, porque as duas previam formalmente revezamento no poder e legitimidade da oposição.

A ditadura iraniana é a segunda mais opressora do mundo e desconhecer esse fato é perigoso, quando, por causa desse desconhecimento, passa-se a aceitar as usurpações feitas por aquele poder. Quem mais manda naquele país é o chefe religioso Ali Khamenei, que, além de não sair do poder, sufoca a liberdade de expressão, pressuposto nímero um de uma democracia saudável. Dizer que eles possuem uma democracia, porque escolheram o chefe do poder civil livremente constitui um erro incontornável, porque como você mesmo disse, tem um ‘’líder religioso e político do país, que está acima do presidente’’, que, repito, não muda. Democracia?

Não posso concordar também com o fato de comparar sanções com medidas não pacíficas. Não é verdade. Sanções é um elemento coercitivo, que pode ser usado como um degrau acima do diálogo e abaixo de medidas não pacíficas. É verdade que elas são mais severas do que o simples diálogo, que, há cinco anos vem sido tentado sem nenhum tipo de sucesso. O Irã não conversa. Dizer que o Irã vai negociar com o Brasil, porque nós não apoiamos as sanções é demais. As conversas já foram tentadas sem nenhum tipo de retorno.

Quando se afirma que o Brasil tem legitimidade moral para tratar do assunto não resolve nem um pontinho da questão. As questões militares iranianas têm uma base de fundamentalismo religioso arraigada de preconceitos e fechadas ao diálogo. Acham mesmo que o líder Ali Khamenei vai negociar com o Brasil porque nós somos pacíficos? Repito: nós já tentamos os diálogos sem nenhum tipo de retorno. Estamos tentando partir para uma outra postura internacional, ainda pacífica, frise-se, em relação ao Irã para que ele queira negociar. Sugerir que as sanções não são pacíficas e que não são diplomáticas, a meu ver, está redondamente errada. Quando se diz que a guerra só pode ser tentada quando já faliram todos os tipos de soluções pacíficas, implicitamente diz que o único modo não pacífico é a guerra e que todos os demais são. Entretanto, uns são mais severos que os outros, devendo aumentar o grau de rigor na diplomacia quando os níveis mais brandos simplesmente não surtem efeito nenhum. Como é o caso.

Tanto é assim que a OMC já permitiu o Brasil a sancionar o EUA sem se cogitar de que isso era não pacífico. Não houve em nenhum momento a perturbação da paz em virtude nessas sanções. A maioria da população brasileira nem sabe que elas existem. E afirmar que o Brasil é adepto de sanções porque já as aplicou contra o EUA é comparar nada com coisa nenhuma. Os produtores brasileiros ficaram seriamente debilitados com as políticas protecionistas americanas o que poderia gerir graves problemas econômicos para o setor aqui no Brasil de forma imediata.

Entretanto, nada é mais ingênuo do que a afirmação de que não existe conclusões óbvias para se chegar a conclusão de que o Irã está produzindo armas nucleares. A própria AIEA já confirmou a grande possibilidade disso.

Contarei uma piada que, analogamente, aplica-se ao caso: Um marido desconfiado de que sua esposa o estivesse traindo, resolveu segui-la. Seguiu a moça de carro e viu que um rapaz entrara no carro dela. Eles seguiram para o Motel, enquanto o marido ficava sempre atrás. Entrou no Motel também. A esposa do homem entrou no quarto do motel com o suposto amante e fechou a porta. O marido olhava pelo buraco da fechadura para saber se a mulher iria traí-lo, quando se apagou a luz, ele lamenta: que dúvida cruel!

Essa é a mesma situação daqueles que acham que o Irã não estão produzindo armas nucleares e que não há conclusões óbvias nesse sentido. Os números e os dados do relatório da AIEA sobre o assunto eu já expus no outro artigo escrito, mas que, analisando-os, só podemos chegar a uma conclusão, que, diga-se de passagem, é óbvia.

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