terça-feira, 27 de abril de 2010

A política brasileira com relação ao Irã

Pedro Muniz Pinto Sloboda

A política externa brasileira vem sofrendo críticas severas por não apoiar as sanções que parte da sociedade internacional pretende impor ao Irã, devido às suspeitas de que este país tenha a pretensão de desenvolver arsenal atômico. Li recentemente na mídia duas afirmações mal formuladas que passo a criticar:
1) “Não podemos apoiar o Irã porque o país é governado por uma ditadura militar teocrática.”
Parece-me, salvo terrível engano, que a única afirmação correta nessa sentença é a de que o Irã é um país teocrático, ou seja, não é laico. Não vejo porque tal fato representaria um problema em si. Daí a dizer que o país é governado por uma ditadura militar, ora, que apelação infeliz! O presidente é um civil que foi eleito pelo povo, e se podemos questionar a democracia no país, podemos fazê-lo apenas materialmente, pois formalmente, o país é democrático. Se podemos questionar as últimas eleições, alegando que foram fraudulentas, não podemos questionar o reconhecimento das mesmas como legítimas pelo aiatolá supremo, Ali Khamenei , líder religioso e político do país, que está acima do presidente. Fazê-lo representaria ingerência nos assuntos internos do país, o que feriria princípio fundamental da sociedade internacional.
Além disso, é absurdo afirmar que apoiamos o Irã simplesmente porque não apoiamos as sanções que alguns países desejam impor. O Itamaraty já afirmou reiteradas vezes que o Brasil não é pró-Irã, apenas defende uma solução negociada dos problemas globais. Defendemos o diálogo, a negociação, a diplomacia. Possuímos boas relações com o país? Sim, bem como temos um presidente que coloca flores no museu do holocausto, em Israel, e uma casa diplomática que mantém relações com quase todos os países do mundo, inclusive aqueles que possuem conflitos entre si. Mantemos boas relações com a Índia e com o Paquistão, com as Coréias do Norte e do Sul, com palestinos e israelenses. Nossas relações com o Irã mostram nada além da força de nossa diplomacia. Será que algum cientista político, em consciência sã, afirmaria que é mais provável que o país negocie com aqueles que o querem sancionar, do que com aqueles com quem mantém boas relações?

2) O Brasil é moralmente um pigmeu para tratar de temas como o do Irã.
Tal afirmação deve ter sido publicada na seção de piadas. O Brasil possui um dos programas nucleares para fins pacíficos mais respeitados do mundo, não possui armas nucleares, não possui inimigos no âmbito internacional, possui uma história de pacificidade externa que poucos países do mundo possuem. Se o Brasil, como membro do conselho de segurança em 2010 e 2011, não possui autoridade moral para tratar do tema, quem possui então, os bélicos estadunidenses que por duas vezes já usaram a bomba nuclear contra população civil?

Sanções

Por definição, as sanções, de qualquer tipo (embargo, retaliação, boicotagem, retorsão) fogem da categoria das soluções pacíficas das controvérsias, caracterizando já uma solução coercitiva das mesmas. É sedimentado o entendimento perante sociedade internacional, de que antes de se partir para a categoria de solução coercitiva de controvérsias, todos os meios de solução pacífica devem ser esgotados.
Por favor senhores, não pensem que somos radicalmente contra as sanções, apenas entendemos que não é ainda o momento adequado para sancionar o Irã, investimos na diplomacia e no diálogo, mesmo porque não existem mais que suspeitas de que o país intente possuir a bomba.
As sanções são válidas na solução de conflitos internacionais, e engana-se gravemente quem pensa que o Brasil as refuta por completo. Citemos um exemplo recente. A OMC autorizou no ano passado o Brasil a sancionar os Estados Unidos em mais de 800 milhões de dólares, por entender que os subsídios agrícolas dados pelo governo estadunidense ao algodão, se caracterizava como concorrência desleal. Falhando o diálogo, o Brasil então ameaçou aumentar os impostos de produtos provenientes daquele país e quebrar patentes intelectuais, o que prejudicaria a nação norte-americana em mais de 500 milhões de dólares. Assim, os Estados Unidos voltaram à mesa de negociações e um acordo foi alcançado. O direito das relações internacionais deve possuir meios sancionadores para que de fato seja considerado direito. As sanções possuem importância nas relações internacionais, no caso do Irã, contudo, elas não se fazem necessárias ou eficazes no presente momentos. Caso seja confirmada a existência de um programa nuclear com fins bélicos no país ou reste óbvia essa conclusão, as sanções terão de fato que ser cogitadas, o que não podemos é prejudicar uma nação pela simples desconfiança. O Irã possui armas nucleares que justifiquem as sanções? Não. O Irã possui um programa de desenvolvimento de armas nucleares que justifique as sanções? Segundo a própria Agência Internacional de Energia Atômica, não.

O programa nuclear iraniano


O Irã já declarou reiteradas vezes que seu programa nuclear tem fins pacíficos. Não é preciso afirmar que todos os países possuem direito a fazer uso dessa energia. O próprio Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em seu artigo IV proclama o “direito inalienável de todas as partes do tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação.” A energia nuclear é uma energia limpa se tratada da forma correta, não emite gases causadores de efeito estufa e deve ser utilizada por países menos privilegiados em recursos naturais.
Os países que defendem as sanções ao Irã alegam a existência de suspeitas de que o Irã pretenda desenvolver bombas atômicas. Contudo, o governo iraniano intenta enriquecer urânio a 20%, sendo que para a construção de bombas este deve ser enriquecido a 90%. Não podem restar dúvidas quanto ao fato de que o ônus da prova deve caber aos Estados que pretendem sancionar, estes que devem provar que o Irã quer ter a bomba, e não exigir deste, provas de que não pretende, como vem sendo feito.
Contra as suspeita supracitadas, foi realizada em Teerã, um congresso pelo desarmamento nuclear, onde o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, afirmou que o uso de armas atômicas "é proibido pelo Islã" e acusou os Estados Unidos de serem os "únicos criminosos nucleares do mundo". O presidente Mahmud Ahmadinejad defendeu que os países donos de arsenais nucleares sejam suspensos da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU.

Conclusão

A revista estadunidense “news week” publicou ano passado reportagem de capa em que expunha a lógica insensata de que “deveríamos amar a bomba nuclear porque ela fará do mundo um lugar mais pacifico”. A ideia, repito, insensata, é de que os países nuclearmente armados estariam seguros porque nenhum outro ousaria atacá-los. Lendo isso, sentimos saudades do bom povo da Virgínia e lamentamos a doença moral que vitimou a sociedade estadunidense.
Não podemos permitir a proliferação de armas nucleares. Em verdade devemos evitar uma eventual nova corrida armamentista, desta vez em escala multipolar. Precisamos convencer as nações e os líderes políticos de que um mundo pacífico se faz sem armas. Nesse sentido é louvável a iniciativa do governo Obama, no que tange à sua nova política nuclear. O desmantelamento (percebam, não eliminação) de parte das velhas ogivas nucleares postas em mísseis pela Rússia e pelos Estados Unidos, apesar de ter sido em grande parte uma medida para prover os dois países de maior poder de barganha na revisão do TNP em maio, é um passo, ainda que pequeno, no caminho de um mundo mais seguro e livre de armas nucleares. É preciso, ao mesmo tempo em que provemos o mundo de energia nuclear para fins pacíficos, zelar para que nenhum outro país do mundo desenvolva tal energia com intenções bélicas. Tão imperativo quanto isso é a eliminação dos arsenais atômicos dos países que já o possuem. Contudo, uma enorme preocupação deve surgir na mente dos homens quando a diplomacia falha e as medidas coercitivas começam a ser cogitadas. É por isso que devemos sempre prezar o diálogo e insistir incansavelmente nas soluções pacíficas das controvérsias. O momento não é apropriado para aumentar as sanções contra o Irã. Eventuais coerções podem levar o país a curvar-se perante a sociedade internacional (o que na nossa concepção é pouco provável), ou levá-lo a atitudes menos regradas diante de posições hostis a ele, de sorte que as sanções devem ser evitadas enquanto não houver mais que suspeitas. Não há motivo para essa reação afoita e desesperada por parte de países que se mostram claramente temerosos quanto ao possível, mas não provado programa atômico bélico iraniano, países estes, que principal e ironicamente são aqueles que dizem se sentir seguros por possuírem arsenal nuclear.

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